domingo, maio 22, 2005

O Sítio do "Foda-se!"


Emocionado com o surto de patriotismo abrupto que grassa na paróquia, dei comigo incendiado de projectos e ideias, cada qual mais deslumbrante que a anterior.
Em primeiro lugar, e assim de chofre, ocorreu-me, vejam lá bem, organizar o "Sítio do Bardamerda!": Bardamerda, o sim! Bardamerda os nãos do BE e do PCP! E bardamerda também o "Não alternativo" (ou será "alternadeiro") do Pacheco arrependido. Bardamerda ainda a Europa, os Estados Unidos, a China e o Burkina Fasso! Bardamerda igualmente as Ilhas Fidgi. Puta que as pariu!...
Mas como as pessoas iriam dizer :"Lá está o ferrabrás do Dragão a incinerar a torto e a direiro, raios o partam!", e como eu me preocupo muito com o que as pessoas pensam, e com o que as pessoas dizem, e com o que as pessoas comentam, decidi, a bem da nação, não organizar um sítio desses. Cruzes credo, valha-nos Deus! Benzamo-nos. Nosso Senhor vos abençoe, Ilhas Fidji!...Que Santa Quitéria te proteja, Burkina Fasso!...
Ultrapassado este inicial e destrambelhado ímpeto, preparei-me para a segunda vaga. Para grande regalo meu, esta não tardou: em menos de nada, dei comigo a congeminar e rusgar patrocínio para o "Sítio do Foda-se!" Rica ideia, pensei: O "Sítio do Foda-se!" deve dar um jeitão do carulho. O "Sítio do Foda-se!"- que consolo para o indígena!- se não é o paraíso, anda lá perto. A malta, com um sítio destes, até vai reconsiderar na mania de torrar divisas na estranja: atraca-se nele, no "Sítio do Foda-se"(abençoadinho!), como numa daquelas roulotes de beira de estrada, e nunca mais de lá sai.
Inebriado com tamanho desarrincanço, entreguei-me ao requinte de imaginar até uma frota de varinas, com giga cor de bandeira à cabeça, a apregoarem, à boa moda antiga, por toda a cidade (Alfama, Graça e Mouraria, entenda-se; que o resto é paisagem):« "Olha o "sítio do Foda-se!" Olha, a fava rica! Olha, o rajá fresquinho! Olha o "Sítio do Foda-se!"»
E as matronas, a mascar tremoço, das janelas, debruçando as abundantes tetas, inquiriam:
-"É fresco, o "Sítio do Foda-se!"?...
-"Se é fresco, freguesa?! – esganiçavam-se as peixeiras. – Mais fresquinho não há, ó santa! Foi acabadinho de pescar ali no Trancão!"
Flanava eu neste admirável idílio e quem é que me entra pela cabeça adentro, vindo lá dos esconsos da memória, a dar de pé-coxinho na trotinete da mesma: o cidadão português, nem mais. O próprio, esse cabrão mesmo. Retinto e escarrado, como não há outro. E em que propósitos bizarramente adicionais se me exibia o tratante? Passo a enumerar:
1.Embasbacado diante do telejornal e da bocarra descomunal da Moura Guedes (a chamada abertura pluribroche), que brama ele? - "Foda-se!", nem mais.
2.Diante do quiosque da jornais, mirando as parangonas, em despique com a pornografia (passe a redundância), que proclamação emite? – "Foda-se!", de novo.
3.Escutanto as habilidades do governo recém-eleito, seja ele qual for, que sumo deita? –"Foda-se!", outra vez.
4.Defronte do filho adolescente, trespassado de ferragens, enfiado num saco de batatas a fazer de calças, curtindo um ruído desfolhante qualquer, que comentário lhe ocorre? – "Foda-se!", ainda e sempre.
Pois é, onde quer que pare, que interrompa momentaneamente o estado de mineral obtuso em que cristaliza, e se entregue, por breve lapso, à contemplação do rilhafoles em que rabia, a sua linguagem, três mil anos de civilização, sintetizam-se, embrulham-se, escoam-se pelo ralo dessa imprecação reflexiva: "Foda-se!" Ou quando muito: "Foda-se e refoda-se!", ou seja, reflexiva e reforçada.
"Foda-se!, não me contive também eu, locupletado de frenesim tribal e brio patriótico, de exclamar. "Este meu "Sítio do Foda-se!" seria uma puta duma redundância! Portugal, diabos o levem, já é um sítio do foda-se de pleno direito e feição. Direi mais: Existisse uma Organização das Nações Unidas do "Foda-se!" e Portugal teria assento permanente no Conselho de Segurança, com prerrogativa exclusiva de veto e presidência vitalícia. Ou por outras palavras: No planeta "Foda-se!", Portugal é a super-potência hegemónica. Somos uma espécie de Estados Unidos do "Foda-se!". E dedicamo-nos, com devoção única, à cruzada benfeitora de, à bomba se necessário for, instaurar o regime do "Foda-se!" em toda a parte. Quer dizer, torna-se cada vez mais patente: consagramo-nos agora à Expansão do "foda-se!", como noutros eras não menos épicas nos devotávamos, segundo dizem, à Expansão da Fé. Penso que temos fé no "Foda-se!". Pois. Mas, entretanto, percebi que não fazia qualquer sentido criar um sítio que já existe.
Com grande pesar meu, derreteu-se-me a cera onírica das asas e despenhei-me vertiginosamente na realidade. De facto, meus irmãos, o "Foda-se!" está por todo o lado e só não se escuta -com a contundente acrimónia que a sua cavernura exige -, nos locais em que, precisamente, infatigavelmente, se trabalha no burilar de motivos para a sua erupção. Isto é: No âmago de todos aqueles que, delicados, não o proferem, porque, na verdade, estão intensamente compenetrados a criar e multiplicar ensejos para a sua proliferação desenfreada.
Diante de tão elementar constatação, lá tive que me dedicar à pesca de outros empreendimentos. O que vale é que me estruge na cachimónia um mar fértil, rico em plâncton e livre de arrastões espanhóis. Num ápice, com um puxão vigoroso, já eu retirava das águas generosas um belo e luzidio exemplar, um projecto todo garboso não menos digno de sponsorização (que bela palavra moderna!): nada mais nada menos que o "Sítio do Sinão". O "sítio do Sinão" é que é. Viva o Sítio do Sinão! Quer dizer, o sítio do Sim e do Não, conforme nos convenha. Ou seja:
Quando é para meter ao bolso, para receber subsídios, para fartar vilanagem, para andar no laró e na galhofa, no bota-abaixo, não tem nada que saber: dizemos sim. Quando é para trabalhar, para assumir responsabilidades, para prestar contas, para cumprir o prometido, não tem nada que enganar: dizemos não.
Eu já sabia, e o povo também, que existiam os pobres e mal agradecidos. Que, afinal, o provérbio também se aplica às putas, estamos todos a descobri-lo agora.

Aproveito para esclarecer que eu era pelo não aquando da adesão. Pobres mas honrados, sempre pensei e continuo a pensar. Portanto, sobre este assunto a minha moral é a de sempre e continua intacta.
Mas agora, aqueles que vestiram a pátria de mini-saia, que a puserem a mascar pastilha à esquina da viela, que rejubilaram com a clientela ricalhaça em romaria, que celebraram a ascensão ao hotel finaço, que embolsaram as notas do pagamento com volúpia, que se congratularam quando ela se despiu e deitou a jeito, agora, pasme-se, quando só falta o corolário e chegou a hora de, enfim, abrir as pernas, desatam com reclamações e esquisitices!...Pior: argumentam que não querem que a puta case. Sorte da rameira ou azar deles? Dá-lhes cabo do negócio?...
Sim, imagine-se, os chulos da pátria tomaram ares de empresários do pudor! Disfarçam-se de cidadãos moralistas, sentinelas do exército da dignidade e bons costumes!...Agora, que a quenga está gasta e a clientela até dá sinais de começar a perder o interesse...
Ai ele é isso? Então, caros leitores, retiro o que disse: Não é ao "Sítio do Sinão" que vou aderir. É mesmo ao do "foda-se!"
Foda-se!!
Pode não ser o cúmulo da originalidade, pode até ser redundante. Mas alivia.

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