quinta-feira, junho 30, 2005

Águias e corvos


Glossando –na metáfora- o bom velho Nietzsche, eu diria que a habilidade maior dos corvos, masculinos e femininos, é grasnar em bando, rasteiros, poisados à coca da carcaça. Já a vocação instintiva das águias é voar alto, mirar de longe, solitárias, e, por força da gravidade e das circunstâncias, cagar, ocasional e naturalmente, em cima dos corvos.

Não fosse eu já dragão, escolhia ser águia.

PS: Chamo a atenção para um pequeno detalhe: não estou a falar de futebol.

quarta-feira, junho 29, 2005

Das Mulheres


Eu, de mulheres, não falo. Interessam-me, esses seres misteriosos, magnéticos, inatingíveis, não como objecto de conversa, mas de culto. A minha religião, reconheço, são mulheres, todas as mulheres –árvores, nuvens, estrelas, a Terra, a Vida, a Morte, a Verdade, incluídas. Nasci duma e tenho outra –no fundo, a mesma – à espera.
Portanto, de mulheres, já disse, não falo. Deslumbram-me, cegam-me, obsidiam-me. Nem elas, tão pouco, precisavam de falar, de dizer, de escrever o que quer que fosse. Bastava-lhes existirem. Existir, nelas, já é reinar. Que valem uns milhares de hectares e saloios de feudo, diante de quem impera sobre o coração dos homens?
Sim, concebo assolar e conquistar o mundo, passar exércitos a fio de espada, talar fortalezas e cidades, escravizar hordas e multidões, devastar, -devastar, sim!, a torto e a direito, sem dó nem piedade, todo lampeiro –, apenas com um único e exclusivo fito: oferecer tudo isso a uma mulher. Arrastar essa salgalhada toda pelas tripas e ir depor-lha aos pés: "pronto, ó deusa, aí tendes essa porcaria toda, que ao pé dum fio do vosso cabelo não é nada!" Sem grande esforço, imagino-me Alexandre, Genghis Khan, Napoleão, todos esses desenfreados, mas apenas, e somente, por força dum motivo: o amor duma mulher. Qualquer outro pretexto é vil, escaninho, repugna-me. Herodes contentou-se com a cabeça dum santo; eu, um raio me parta já aqui se não é verdade!, entregaria, na mesma bandeja, a cabeça do Mundo.
Redimir a Humanidade? A Humanidade é uma puta capaz de romper qualquer preservativo. Salvar o Mundo? Puta que pariu o mundo! Esgoto, monturo a céu aberto e sem céu nenhum! Construir o paraíso? Mero subterfúgio para assistir ao inferno dos outros.
Gritá-lo-ei, se necessário for, aos quatro ventos e aos sete mares, às estrelas, às estepes, aos abismos: Além da Mulher não consigo vislumbrar finalidade mais digna para a odisseia que é a vida dum homem. Penélope, Ítaca, ilha que inaugura e encerra o círculo, tecelã da esperança e do Destino, é ela que preside ao Eterno retorno. E se não preside, porque os cientistas e os sábios todos de coisa nenhuma certificam que não, eu prefiro acreditar que sim, que imperam, que cintilam como astros longínquos, inexpugnáveis, inatingíveis, mas todavia obsidiantes. Miragem que nos arrasta, esquálidos, visionários, alucinados e febris, pelas areias do deserto.
Deus? Que sabemos nós de Deus? Que alcance tem a visão das nossas almas de toupeiras? Deixemos tão longínquo e inexpugnável objecto em paz. Deus, meus irmãos? - Contentemo-nos com a Obra de Deus.
Compreendê-La é compreendê-Lo. Compreender é Amar.
Bem que eu desconfiava: sou um místico.

Borrasca


O país, esse, experimenta a borrasca. A tripulação, com um sentido de oportunidade cirúrgico, prepara-se para entrar em greve.

Marooned


Forçados a pegar em remos, os comentadores não escondem a sua indignação.

Entretanto, a choldra amotinada exige ao capitão que singre rotas de infâmia. Ou seja, o rumo mais directo ao bordel mais próximo.

Os meus filmes

0 O

(POSTAL COM CONTEÚDO EVENTUALMENTE CHOCANTE.
Não recomendável a senhoras. )






Falei com o Ratolas, um bacano que ainda estudou Direito até dar p’ó torto, e ele explicou-me que não há inconveniente: posso responder ao inquérito farsola que o Sô Dragão me encomendou. Tenho que estar sempre a pau c’o gajo, porque ultimamente anda esquisito e, quanto a mim, devia de ser internado. A malta já tem ali um colete de forças de prevenção e s’ele continua assim, a transformar-se em morcego quando cai a noite, levamo-lo de charol. Esperamos é que não vire neblina e fuja por debaixo das portas, gabiru do caralho... Mas, dizia eu, vou responder que é pra calar as mintiras qu’ele conta a meu respeito. E de cinema percebo pa caralhos. Não houve sessão do Royal, Cine-Oriente e Piolho (filhos da puta, o que eles fizeram dessas catedrais só tem paralelo de horror na destruição do Monumento à Nação que era o velho Estádio da Luz, camartelado e escaqueirado por estes benfiquistas da treta, da merda, que há agora!) , que eu não mamasse (salvo seja!).

1. Melhores filmes dos últimos anos: bem, depois que o Arnaldo se meteu na política e a mulher do Estalone fugiu co’a secretária, puta da Brigite!, a coisa anda um bocado farsola. O porno também anda pelas ruas d’amargura desde que as gajas cismaram de rapar as conas, que até parecem umas skinédes entrepernas. Há mais de sei lá quantos anos não meto os cocantes numa rica pintelheira! Por isso, quanto a mim, é mais a expectativa que o gozo: Continuo à espera do Aliões 6 e não hei-de perder o Rocky 25 ou o Exterminador Implacável 10. Ou será 11?...Quanto ao Batmã, ao Homem-Aranha e aos Xis-Men, até curti, mas acho que a arte só ganhava com uma versão porno integral. Um bacanal de super-poderes, eles com super tusa de volta delas com mega orgasmos, a causarem catástrofes e ondas de choque arraza-quarteirão, havia de ser espectáculo digno de se ver!...Tipo Foda Titânica, bacanos...Uma saga era fixe: Foda Titãnica I, Foda Titânica II, III e etc. Marzápios mutantes em luta com super-chavalas, ‘tão a ver?...

2. Melhor filme da vida: Talvez a "vida de Cristo", mas como não sou muito d’ir à igreja, passo. Notem que até acredito em Deus; Ele é que, parece, não acredita em mim. Nem Ele nem o agente angariador dele aqui no bairro, o padre Jaquim, que ainda hoje está convencido qu’eu lhe bebi a caixa das esmolas. Enfim, andam cépticos os dois. Também não sabia que havia filmes da vida...se calhar são filmes sobre mulheres da vida, putaria desgraçada, e nesse caso, já vi uns quantos... ‘tou-me a lembrar do "Prostitutas Clandestinas", no bom tempo do porno francês, logo a seguir ao 25 de Abril, antes da americanada farsola, das conas barbeadas (miséria do caralho!) com perseguições de automóvel a granel, ter tomado conta do Olímpia. Mas se por acaso é dos filmes que mais gramei ver que se trata, nesse caso digo já: "Trinitá, o Cowboy Insolente". Sem esquecer logo em segundo o "Sabata contra Sartana" e o "Drácula volta a atacar". E também os filmes portugueses com o Vasco Santana e o António Silva, grandes finórios, e também estava capaz de falar no "Chaimite", quando os antepassados aviavam a pretalhada e enchiam o cabaz a um tal Gungunhana, mas isso deixa um gajo mal visto e ainda me chamam racista, colonialista, ou o caralho, e lá tenho eu que mandar o otário para a puta que o pariu.

3. Actores de mão cheia: Pra mim um actor de mão cheia é um actor com a mão cheia de armas a matar exércitos e a rebentar com carros e casas e coisas assim. E, claro, a papar as gajas. Os que costumam encher mais a mão e também a boca aos javardolas são o Estalone (ganda Rambo, na "Fúria do Herói") e o Shevarzenega, que por acaso nunca se nega e distribui trolha que é uma farturinha. E também, tá claro, o Terence Hill e o Gordo Spenser, uma parelha que a dar coices demolidores ninguém os batia. Já para montar nas gajas o campeão sempre foi o Sim Conério, o que com um nome daqueles não admira. Quando a malta saía do velhinho Cine-Oriental, cuja alminha Deus tenha em descanso, vínhamos logo experimentar cá pra fora. Ah, e não posso esquecer o Manel Gibson, naquela série do Mad Max, especialmente o II, quando o gajo fode um exército de motards maus com’as cobras.
Devia também premiar-se o "actor boa boca" que é aquele que tá sempre a enfardar, a levar nos cornos de criar bicho, mas no fim ganha. O especialista dessa merda, um bocado farsola, é o Estalone, quando faz de Rocky. Rebentam-lhe a tromba de todo o jeito e maneira, mas o gajo não arma em esquisito, nem vira a cara. Resiste, resiste, atiram-no ao chão mas ele levanta-se...Parece um sempre-em-pé. Com pilhas duracel enfiadas no cu. É fodido, o gajo.

4. Actrizes pujantes: Se os cientistas servissem para alguma coisa útil produziam a actora ideal. Quanto a mim, teria a parte de trás da Jenifer Lopes, a parte da frente da Pamelga Anderson, as coxas da Sandra Buldog e a cabeça da Zeta-Jones.Das que existem, tal qual são, aprecio muito uma rapariga chamada Ana Harper*. Fala pouco e fode muito. O Dragão prefere a Verónica Zemanova, mas não sabe o que diz. O gajo é do contra... E só gosta de armar confusões e batefundos...Até foi ser daquele nojento clube lá do norte, do Bobi e do Tareco, só pra chatear a malta!...Portanto, se eu digo loura, ele vai e diz logo morena. De qualquer maneira, eu estaria a vigarizar-vos se não dissesse que prefiro actoras putéfias a actoras pujantes. Ouve lá, ó Dragão, o que é quer dizer pujantes?

5. Musicais: O "Fado", com a Dona Amália, a "Canção de Lisboa", "O Pátio das Cantigas"...Uma merda que nunca gramei, nem com molho de tomate, foi um lingrinhas apanascado que dançava com a Ginja Roger e dava pulinhos e batia com as patas no chão...um Fred Às-tiras, ou lá com’é que o toino em abas de grilo se chamava. Nunca percebi porque é que não vinha um cilindro compressor, daqueles grandes de alcatroar estradas, e lhe passava por cima. Há cabrões a mais neste mundo, especialmente na televisão. Devia-se asfaltar ou macadamizar pavimentos com eles, foda-se!...

6. Realizador: que é essa merda? Faz o quê? Pa qu’é que serve? Se é o gajo que come as actoras na vida real, ‘tou com ele. Gramava ser realizador porno. ‘Tava sempre a corrigir os gajos: "ouve lá, ó panasca, isso é uma enrabadela que se apresente?! E tu, ó javardo, achas que isso é mineto que se faça?! Sai daí, pá, vou-te mostrar como eu quero que executes a operação...tens que dar expressão ao acto, ó piça mole! Tens que gramar a coisa, pá. Não é fazer esse ar de enjoadinho, de pinóquio de plástico a meia-haste, ó cabrão! Tens que dar uns urros, fosga-se, fazê-la trepar às paredes e amarinhar aos tectos, caralho! ‘Tás a ver?, repara bem como eu faço...Tens que te desmultiplicar, manobrar em várias direcções...'Tás com a piça nesta, mas a cabeça já na outra e as mãos numa terceira. Para monotonia já basta a patroa, caraças! Aqui é para tirar a colhoada de miséria!... Ah, catano, rica égua esta!... gaita, lá me entornei!..."

*Pois, sou um bocado incoerente nesta devoção à Ana Harper, porque a garina também se barbeia onde não deve. Mas isso por outro lado beneficia-a misteriosamente: realça-lhe o duplo sorriso. E eu acho a forma como ela sorri com a cona irresístivel. Um sorriso destes é que o panasca do Davinço devia ter pintado para a posteridade, em vez daquela trombalazana da Gioconda, que devia ser ministra da saúde lá na época. Qual Gioconda, qual carapuça! Gajo que é macho só pinta Gioconas, isso sim!...Reparem lá se não estou coberto de razão:
(Aviso: Imagem porno.)


Dasein

É impressão minha ou passei a noite a tentar explicar o "Dasein" a uma striper?... Aliás, a duas.
Interrogo-me ainda, com alguma angústia, se a minha explanação da "Arquitectónica da Razão Pura" terá sido convincente.

segunda-feira, junho 27, 2005

Experiência 1...2...3

Esperem aí qu'eu já vos atendo.
É só o tempo d'ir ali fazer uma mijinha e varrer umas canecas mai-los respectivos acepibes, ou acebibes, ou ace... foda-se, puta de palavra, tremoços, caralho!...

por agora vim só experimentar o microfone e a aparelhagem...

1...2...3....
'Tão-me a ouvir?...

Riders on the storm...

domingo, junho 26, 2005

Filmes e fitas

Cara Lolita,
Só por ser para si e porque eu não sei dizer não a uma senhora.
Mas deixo um aviso prévio: não sou muito de ver filmes. Sou mais de protagonizá-los. Aliás, já desempenhei, com brilhantismo variável, vários géneros: aventuras, guerra, comédia, drama, romance, musicais e, como não podia deixar de ser, porno. Ultimamente, ao reparar no país e no mundo em geral, experimento um que nunca tinha experimentado antes: terror.

Mas então aí vai...

1. Melhores filmes dos últimos anos: Francamente, não me ocorre nenhum. Há mais de dez anos que não meto as patorras em sala de cinema. E não tenho saudades nenhumas. O último que não me fez adormecer ao fim de 10 minutos foi o "Underground" (acho que é dum tal Kosturica).

2. Filmes da vida: dizem que no fim, quando a Ceifeira chega, se assiste ao filme da própria vida. Ficarei atento ao meu. Dava um bom romance, portanto também deve dar um bom filme (desde que, claro está, a produção não seja de Hollywood). Pena que já não me lembre de muitas das partes mais interessantes.
Fora esse, "Laranja Mecânica" e "Apocalipse now". São muito educativos.

3. Actores com pujança: Marlon Brando. Até tem a fotografia do Coronel Kurz afixada neste blogue. E bastava ter desempenhado o Coronel Kurz para ser o maior.

4. Actrizes de mão cheia: Catherine Deneuve. Aos quarenta anos. Deslumbra-me, aquela mulher.

5. O meu musical: Os filmes dos Beatles.

6. Realizador: Stanley Kubric.

7. Passo este interrogatório ao Caguinchas, por pura sacanice. E corro às trincheiras.

PS: Por último, recomendo uma visita ao Shelltox Concise, na letra C. Convém conferir lá o substantivo "Cinema".

Meditação dominical



Pode-se bater numa coisa que rasteja. Nunca caiam é na ilusão de conseguir derrubá-la.
Todo o frustrado de não conseguir fazer crescer asas nas costas entrega-se à vingança de fazer crescer patas no ventre.

Ocorreu-me isto a propósito dum fenómeno onto e filofânico que predomina nestes nossos dias: O pensamento rastejante.

A sina do Homem é caminhar entre anjos e reptéis.

O Caguinchas, lui-même

Não julguem, vossas digníssimas excelências, meus desafortunados leitores, que o Caguinchas, essa figura, é um mero personagem literário. Era bom, era. Não, o filho da puta existe mesmo. Vivinho da silva e escarrado quase tal qual eu o pinto (só exagero nalguns retoques, por amor da literatura, nada mais).
E ao contrário do que diz o ditado, a família a gente ainda escolhe - eu escolhi a mulher e, consequentemente, os filhos, os sogros, os cunhados (alguns bastardos também) etc; os amigos é que não: atura-os.
Duvidais? Duvidai para aí à vontade! Ele está-se pouco ralando com isso. E eu a mesma coisa.
Mas sabem qual é a última do gajo?...
Meteu-se-lhe na cabeça que eu devia deixá-lo escrever no blogue. Nem mais.
Ocorreram-me de imediato algumas objecções, ínfimas minudências, que, não obstante, tratei de lhe apresentar:
"Mas, ó Caguinchas, tu sabes escrever?..."
Resposta do gajo: "Eh pá, já sube, mas desde que há televisão, sabes bem que uma pessoa já não precisa de saber escrever; e ler, apenas o essencial, para moinar as legendas. Mas, caralho, escreves tu, fazes de meu secretário: eu só te dito os assuntos."
2. "Mas, ó Caguinchas, eu, por princípio, no blogue, não falo de futebol e, muito menos, da merda do teu clube que é um verdadeiro cancro nacional!..."
Resposta do gajo: "Lá que chames merda, ainda vá, agora se tornas a chamar cancro nacional ao Glorioso dou-te com uma cadeira nos cornos! E só não te dou já com esta porque o cabrão do Armindo só tem estas cadeiras paneleiras de plástico, que nem para um gajo afiambrar com elas nos cornos do primeiro filho da puta servem!... (Voz do Armindo Taberneiro, lá detrás do balcão: Não tivessem vocês escavacado as de madeira nos costados uns dos outros e ainda as tinham, seus cabrões!...Vândalos do caralho! Foda-se!...) Vai à merda, ó Armindo!...Mas adiante. Escuta lá: posso falar de gajedo e dos problemas que um gajo tem com a gadeza rachada, ou não?..."
Como os digníssimos leitores já devem ter percebido, com um javardola destes não adiantam esquivas. Depois de me pagar três Cutty Sarks e uma ucraniana nova que há ali para os lados da E....(agora chamem-me xenófobo!...) , lá tive que aceder e deferir o requerimento da besta. Significa isto que, doravante, aqui na casa, em quantidade de bestas, tereis dose dupla, sendo que a segunda, temo informar-vos, consegue o prodígio de, na qualidade, superar a primeira (pelo que aí será dose quadrupla, senão mesmo quadrupédica).
O melhor que consegui, durante as negociações, foi que o gajo não ajavardasse mais que uma vez por semana, dando eu alguns retoques no estilo, senão o fulano ainda me corre com a clientela toda (e logo agora que este blogue, não fora ter sido desmascarado o meu nazismo cosmocrata, estava a ficar respeitável).
Às minhas estimadas leitoras deixo, porém, um aviso: não leiam os postais que aparecerem com uma bola vermelha no canto direito (o vosso) do écran. Aliás, vou colocar duas bolas, uma à direita e outra à esquerda. Com licença de Vossas senhorias, o que virá a seguir será, invariavelmente, derrames de um verdadeiro cabeça de ca*****.
Que Deus tenha piedade de nós e, sobretudo, de vós!

sexta-feira, junho 24, 2005

Moita Carrasco ou Quixotices do Dragão

«Dom Quixote perguntou por que ia aquele homem carregado com tantas correntes. O guarda respondeu: porque cometeu mais delitos do que todos os outros juntos, e que era tão ousado e astuto que, mesmo preso daquela maneira, não estavam seguros dele.
-"É o famoso Ginez de Pasamonte, também chamado Ginezinho de Parapilha".
-"Senhor Comissário -disse o galeote -. Ginez me chamo e não Ginezinho, e Passamonte é o meu nome e não Parapilha, como disse vossa mercê".
Dom Quixote voltou-se para os da corrente e disse:
-"Quero pedir a estes senhores guardas e comissário que se dignem libertá-los e deixá-los em paz!"»
- Cervantes, "D. Quixote de La Mancha"

Por norma, não leio o "Acidental". Como não leio o "Barnabé". Leio o "Blasfémia" porque se tornou melhor que o "Gato Fedorento" (O gato tem o epíteto, mas o "Blasfémia" tem a matéria). As chalaças do Miranda, essas, então, são impagáves. Mas o que para agora interessa é que, através dum link no "Blasfémia", lá fui dar ao "Acidental". Deparou-se-me a pérola que, seguidamente, premiarei. Transcrevo o melhor da polpa, mas recomendo que leiam todo o postal. Parece que o João Miranda encontrou um rival à altura...
Ora oiçam:

«E assim se fez o país e o seu povo. Um português é bisneto de Maomé, sobrinho neto de Abraão, filho de um Mustafá, primo da rainha Ginga, tio de um Xanana, arraçado Baniwa ou Guarani, irmão de um Cabinda e o primo mais branco que temos chama-se Madhav e vive em Goa. Até os Macondes do norte de Moçambique têm o “sangue mais puro” que o nosso.»
Sobre isto, é o que se segue.


Exmº Sr. Doutor com solene nome,

Apenas, e só apenas, porque me repugna ver bater em ceguinhos, permita-me que faça aqui as vezes de Advogado do Diabo. Ou de um filho dele, que, para o caso, vai dar ao mesmo.
Assim sendo, cumpre-me tecer-lhe o seguinte reparo:
Suspeitamos que é apenas por modéstia que Vª. Excª, na pérola em epígrafe, ao referir "um português", não se ostenta a si proprio. Julgo, pois, que ficámos bastamente elucidados sobre a sua digníssima árvore genealógica e agradecemos-lhe a intimidade que condescendeu em ter connosco. Congratulamo-nos e congratulamos Vª.Excª por ser bisneto de Maomé, sobrinho-neto de Abraão, filho de um Mustafá, primo da rainha Ginga, tio do Xanana, arraçado Baniwa ou Guarani (decida-se!), irmão de um Cabinda e o primo mais branco que tem chama-se Madahay e vive em Goa –queira até enviar-lhe os nossos cumprimentos e cordiais saudações, bem como votos antecipados de feliz natal e próspero ano novo.
Quanto aos Macondes, não sendo eu perito em hemodiálise nobilárquica, não sei se o sangue deles é mais puro que o de Vª. Excª. O que sei, daqueles que conheço, é que têm uma coluna vertebral mais erecta e vértebras mais nítidas que as suas. Os Macondes, gente destemida, e já agora, queira registar, também os Mucubais, do Sul de Angola ou os Felupes, do norte da Guiné. São indivíduos, da experiência que tive, com quem se pode contar e é melhor tê-los por nós que contra nós.
Já de VªExcª, temo bem, seria irrelevante esperar qualquer dessas dignas posturas visto encontrar-se em toda a parte: Do "Barnabé" à Patagónia (que como Vª Excª bem sabe é o país dos Pato-Bravos mentais e outras aves de arribação que sazonalmente nos visitam).
Em todo o caso, se a família não era a sua e tudo não passou de florilégio retórico, aconselhava-o a refrear os ímpetos demagogos e a não desembestar, tão generosamente, por falácias tão grosseiras a fora. Basta que atente, analogicamente (se não é pedir muito ao recheio cerebral de Vª.Excª.), no seguinte: o facto de existirem gays em Portugal, ou mongolóides, ou meretrizes, ou pedófilos, ou daltónicos, etc, não implica necessariamente que Vª.excª., (stricto ou lato sensu, quer como indivíduo, quer como português) corra a fazer-se bisneto de um invertido, sobrinho-neto de um mongolóide, filho de uma rameira ou irmão de um pederasta –acrescentando ainda que o parente menos aberrante que possui na família seja, por exemplo, um anão vesgo e contorcionista que trabalha num circo em Singapura.
Está, Vª. excª, a ver o absurdo?
Ou então, se não o vislumbra, corra Vª.Excª a fazer-se e consagrar-se com tais títulos de nobreza. Não nos obrigue é a nós a fazê-lo. Assim como se a sua mãezinha, enquanto pátria, é tão aleivosa quanto apregoa, permita-nos, ao menos, que emigremos para mais saudáveis regiões, talvez para junto dos Macondes, e não queira, à viva força, fazer-nos partilhar dessa confraria tumultuosa, onde a estrebaria dos filhos compete, por turnos, com o bordel da mãe. E poupe-nos, sobretudo, ao espectáculo, de, nalgum transporte de exaltação consanguínea, ou para mera cereja no topo da galhofa, desatar a dar peidos ao hino ou a limpar o retrovazador à bandeira.
E, para terminar, não vá, rogo-lhe -munido da fulgurante capacidade lógico-dedutiva que o equipa- pela senda mais básica, ou seja, pensar que eu nutro quaisquer simpatias, ainda menos políticas, pelo desgraçado galeote mental sobre quem decorre a presente assuada. Se a bosta é grande e a porcaria tanta, como se chama àqueles que se comprazem de chafurdar nela?
Não; trata-se, tão somente, que VªExcª estava a pedi-las. E eu, que também sei ser generoso, não quis deixar de lhas dar.

Que lhe façam bom proveito.

Dragão
Pirata, Flibusteiro e Quixote

PS: E tu, ó Não-Sei-Quantos Machado, ou Ginez de Passamonte, ou lá como te chamas: aproveita a folga na lapidação e larga a droga, pá! A pior de todas as drogas: a violência. O maior nacionalista do século XX é capaz de ter sido um senhor chamado Gandhi. Não era branco, mas teve um colhões capazes de vergar um Império. E naquele tempo, com aqueles gentlemen, não era pêra doce. Pensa nisso.

quarta-feira, junho 22, 2005

O Dragão e o Monstro


Contam que me viram sair de casa. Era noite e eu marchava à maneira de certos símios encorpados, bamboleando, ligeiramente corcovado, e parando, de quando em vez, dizem, para me catar. Ao mesmo tempo, ensaiava cavos grunhidos de barítono das selvas.
Claro está que tenho as minhas dúvidas. Mas juram-mo a pés juntos e por alma da mãezinha que Deus tenha.
É o Caguinchas, em pessoa, quem o jura.
-"Estavas era bêbado!" - Ripostei, com brusquidão. - E lá que tires macacos do nariz, capricho teu; agora que os extraias da porta da minha casa, devo dizer que não acho graça nenhuma!"
-"Mas se te estou a dizer! -Tornou ele à mesma, compungido e imaculado. - O Dinossauro estava comigo e não me deixa mentir: ele também viu! Eras tu, pá, ligeiramente mais baixo e com umas botas esquisitas!..."
-"Tirando a "Bola" e as transferências do Benfica, vocês lá vêem mais alguma coisa?! Nem um palmo à frente do nariz!..." - Não desarmei, disposto a vender cara a pele onde me queriam enfiar.
Mas ele não se calava. Jurava e tornava a jurar. Tinham-me visto e tinham-me mesmo seguido, estupefactos, intrigados, até uma Grande superfície comercial, daquelas especializadas em electrodomésticos.
-"Ah-ah, mentira deslavada! -Bradei, em vitória. - Sabes bem que eu só saio da caverna para rumar à tasca (aliás ciber-tasca), aos alfarrabistas ou aos bordéis!...Que aldrabice mal atamancada! Que raio iria eu fazer ao paraíso dos modernistas, ãh, não me dizes?!!..."
O pior é que ele, grande cabrão, disse-me.
E é esse episódio horrendo que vos passo a relatar. (Um abismo lovecraftiano, que, desde já, anuncio e não recomendo às almas mais sensíveis).
Entrei, pois, jura ele, no imenso parque de electrodomésticos e dirigi-me à secção das torradeiras, tostadeiras e afins.
Como é da praxe, ter-me-á acorrido, solícita, uma atendedeira (ou seria atendedora?). Bem, lá veio ela, nada mal jeitosa, segundo o Caginchas, merecedora até duma certa coisa que não digo aqui por amor da decência, e eu, numa voz tenebrosa, perguntei-lhe:
-"Qual é a maior torradeira que tem?..."
Mostrou-ma, enaltecendo-lhe as habilidades. Tê-la-ei remirado com indisfarçável decepção. Terei proferido mesmo, com voz triste:
- "É um belo engenho, sim senhor. Seria giro vê-las saltar...mas não cabem lá dentro!... E as tostadeiras? São concerteza maiores..."
Exibiu-me a maior das que fazem tostas. Nova decepção. Tecnologia superior, sem dúvida, mas o mesmo inconveniente.
Debalde percorremos centrifugadoras, picadoras, trituradoras. Tudo lamentavelmente diminuto, para o sublime fim em vista.
Por fim, chegámos aos microondas. Explicou-me, a beldade, a rapidez e inexorabilidade do apetrecho.
-"Magnífico! - Clamei eu, diz o Caguinchas, maravilhado.
-"Sim, caro senhor - concluiu ela a sua peroração edificante - com este magnífico aparelho, coze um frango em menos de um minuto!..."
-"E uma pessoa? - Inquiri, interessadissimo. - Convinha-me um que tratasse pessoas!..."
-"Pessoas?!! - Exclamou, surpreendida, a cachopa.
-"Estúpida a pergunta, nao é? Esqueça. -desculpei-me. - Por momentos, deixei-me transportar num devaneio. É mais que evidente que uma pessoa, infelizmente, nem sequer caberia nesta pequena caixa. Talvez um chinês contorcionista, um yogi,...nã, mesmo esses teriam que ser previamente desbastados dalgum membro recalcitrante. Quanto às pessoas normais, só depois de esquartejadas; o que, convenhamos, dá uma trabalheira dos diabos e duvido que haja ferramenta à altura - especializada, quero eu dizer. Aquelas facas eléctricas que ali tem não me convencem..."
Eu divagava, diz o Caguinchas, mas a interlocutora, profissional compenetrada, não demorou a recompor-se. Eis que, acesa de súbita mecha, me interpelou nestes solertes termos (garante o Caguinchas):
-"Pessoas? mas porque não referiu, o caro senhor, logo de início, esse requintado propósito?"
- "Lapso meu. -Ruborizei. - Queira desculpar. É o Alzheimer, presumo.
-"E que tipo de pessoas? -Tornou ela, alardeando erudição na matéria. - Pretos, ciganos, judeus, mongolóides, testemunhas de jeová, tem algum modelo em mente?..."
- "Bem, para lhe ser franco, as minhas inclinações vão mais para espanhóis, Ingleses e alentejanos. Sou de atavismos e antipatias, bem vê. Mas um judeuzito, de vez em quando, por desfastio, até é capaz de ter o seu interesse. Já os pretos, só mesmo se for preto americano genuíno: é o chamado filho da puta 2 em 1. Se ainda por cima cantar hip-hop, aí, confesso, não direi que não. Mas, já agora, esclareça-me: o que coze também carboniza, não é? Interessava-me que carbonizasse..."
-"Sim, sim, absolutamente. - Acudiu ela, pressurosa. - Converte em perfeito carvão animal, pode estar descansado. É uma questão de programar previamente no selector: selecciona o animal e o estado em que pretende que o animal fique.
- "Supimpa! -Chilreei. - É isso mesmo. E tem esse formidável electrodoméstico para entrega?"
-"Infelizmente, neste momento está esgotado. - Deplorou. - Os stocks têm sido devastados pela procura. Mas se passar cá no fim do mês, já conto ter disponível. Vamos receber em breve novas remessas da fábrica. Entretanto, ofereço-lhe este catálogo com os novos modelos, que, aproveito para lhe confidenciar, já são um sucesso de vendas por esse mundo fora e esgotam mal aparecem nas montras..."
E lá me deu ela o catálogo, ao qual, após breve passagem de olhos, logo eu bradei, fascinado:
-"Mas que vejo eu...Tem aqui o modelo junior, o modelo lactentes, o modelo gay em tons rosa e o especial sénior/aleijadinhos!..."
-"É como vê. Tudo com garantia de dez anos e descontos promocionais para pagamento a pronto ou facilidades de prestrações até 36 meses!" - Completou, como boa funcionária que era. Boazona mesmo, repito, na opinião do Caguinchas.
-"Isto, estou a vê-lo - rejubilante, asseguro-lhe - até faz lembrar aquelas linhas de fraldas modernas, eh-eh... O que, de resto, faz todo o sentido, pois cumpre o mesmo género de finalidade: tratamento de porcaria e incontinência!..."
A rapariga comprazia-se no meu contentamento e sorria. Reconfortava-a o meu entusiamo de consumidor sequioso. Aproveitei para lhe perguntar:
-"Olhe, ocorreu-me a talhe de foice... e comunistas? Não vejo aqui nenhum modelo específico no catálogo..."
-"Ah, caro senhor, mas é claro que tem! - Acorreu ela, em triunfo. - Preste a devida atenção à página 2, onde pontifica o modelo AMG, ou seja, Atrasados Mentais em Geral..."
-"Ah, pois cá está! -Exclamei. -Que distração a minha. E é uma bela máquina, diabos a levem!..."
-"Sim, é dos modelos mais procurados! - Elucidou-me a esbelta menina cujo cabelo, segundo o Caguinchas, lhe descia em cascatas douradas pelas costas. - E quanto à restante esquerda mais liberal, se acaso lhe interessar, chamo-lhe a atenção para a mesma página, logo abaixo, o modelo BM -traduzindo: Barbie Multiusos.".
Aquela rapariga encantava-me e percebia do assunto como ninguém. Lamentavelmete, todas aquelas maravilhas tecnológicas só estariam disponíveis lá para o fim do mês. E logo eu que, diz o Caguinchas, ardia no maior dos desejos e manifestava grande urgência... Abateu-se sobre mim um grande véu de tristeza, uma imensa desolação devastou-me.
Apercebendo-se disso, a boa funcionária, apiedou-se. Através dum mecanismo de compensação, tentou resgatar-me às lúgubres sombras onde me conduzira:
-"Mas temos ali uns frigorífico especiais, ultra freezer, capazes de congelar uma família inteira, avós e primos direitos incluídos, em menos de nada...E olhe que cumprem já as últimas normas internacionais; são amigos do ambiente e, simultaneamente, Globalbusiness: tratam qualquer raça, credo ou nacionalidade!...Sem odores nem resíduos inúteis, saliente-se!"
Tão gentil oferta, porém, não me reanimou. Jura o Caguinchas que me encaminhei, cabisbaixo, para a porta, murmurando, dolorido:
-"Deixe lá, minha boa menina, meu docinho de coco. Esse frigoríco -estupendo, não duvido-, será óptimo para neoliberais ou neoconas. Eles é que vivem de comer as pessoas e convém-lhes conservá-las. Eu, pobre peregrino, apenas pretendo exterminá-las. É o meu hobby."

Diz, o Caguinchas, que foi neste monstro que me transformei uma noite destas. Agora, à cautela, de atalaia, ele e o Dinossauro montam guarda ao meu tugúrio. Têm uma teoria (rocambolesca, se querem a minha opinião): que, desde que estou afixado no Portal Nacionalista, uma qualquer alquimia sinistra age sobre mim. Que durante o dia sou o Dragão, velho flibusteiro da vida, quixote fora de época, mas à noite transformo-me num monstro sanguinário que sai em busca de holocaustos e massacres.

-"Mas valeu a viagem, ó Dragão. - Conclui ele. - O cu da gaja merecia uma sinfonia!..."

Filho da puta!, fixou-se de tal modo no divino nalgatório, que nem é capaz de me apresentar um resumo condigno das mamas.

A importância de se chamar Dragão



Bruce Lee, o mestre, tinha como cognome "pequeno dragão".

É nesse manancial que deve ser tributada, em grande medida, a minha graça.

Desapontem-se os beatos da bola que, à viva força, me agrafavam ao tótem FCP, ou quaisquer outros religiosos similares com visões apocalípticas paralelas.

A única arte que por aqui se cultiva é a arte-marcial: a escrita como forma de kung-fu. Ultimamente, até, um kung-fu tauromáquico. Em vez de matracas*, bandarilhas. Mas isso é já requinte meu. Ou melhor: adaptação aos oponentes.

Julguei que tudo isto estava bem batente. Mas dada a iliteracia regional -pelos vistos, infestante e campeã - tem que se estar sempre a meter explicador.


* Nome técnico - Nunchaku

terça-feira, junho 21, 2005

Os Sete pecados Mortais, segundo Bosch




Ira –Uma mulher tenta conter o seu consorte embriagado e furioso
Superbia – Uma mulher remira-se num espelho, que lhe é apresentado por um demóno disfarçado se criado
Luxuria – Um casal namorica, comendo e bebendo, e sendo entretidos por um bobo
Accidia – Um homem dormita defronte da lareira, enquanto uma freira lhe relembra o seu dever religoso
Gula – Um gordo e o seu filho empanturram-se, enquanto um homem magro bebe
Avaricia – Um juíz corrupto aceita um suborno
Invidia – Um burguês contempla demoradamente um rico aristocata, invejando-lhe o seu estilo de vida (em segundo plano, dois cães disputam o mesmo osso)

Apenas duas notas:
- lamento, mas traduzir accidia por preguiça, como é usual fazer-se, não está correcto.
- a pior inveja (invidia), e, quanto a mim, a que mais danos causa, nem é a dos teres e haveres: é a do espírito.

Como em Liliput, um gajo tem que ter cuidado onde mija, não vá levar de enxurrada algum palácio.

Breve antologia II - Alegoria à Portuguesa



Era uma vez um avião.
Um belo dia tornou-se evidente um particular facto: o comandante e o co-piloto persistiam numa condução errática, soluçante, cheia de salavancos, que teimava em não chegar a lado nenhum. Começaram os múrmurios entre a tripulação, inquieta e temerosa. Daí à conspiração não demorou nada. Um plano tomou forma: atirar com o comandante e o co-piloto pela borda fora. Era simples, rápido e eficaz. E foi. Atiraram. Em plena pausa para o pequeno-almoço, mal tinham acabado de ligar o piloto automático, lá foram eles, o comandante e o co-piloto, em queda livre, pela porta fora, nuvens abaixo.
Vitoriosos, os comissários e hospedeiras comunicaram o gesto redentor aos passageiros e fez-se uma grande festa. Os passageiros, não perceberam muito bem o que se estava a passar, mas interromperam as rezas e a audição do relato para celebrar.
Entre a tripulação, porém, surgiu um problema: quem seria agora o comandante? Os comissários reclamavam que fosse um comissário; as hospedeiras contestavam que fosse uma hospedeira. Do debate passou-se ao confronto e, em menos de nada, desatou-se no tumulto. Todos, hospedeiras e comissários, achavam que deviam ser comandantes. Por fim, depois de grandes confrontos, decidiram fazer a coisa por turnos. Promoveram-se todos a comandantes e estabeleceram um horário repartido.
Entretanto, os passageiros viam chegar a hora das refeições, mas como toda a tripulação era, doravante, composta por comandantes, já não restavam comissários nem hospedeiras para o serviço de bordo. A fome e o desconforto não tardaram. Começaram os múrmurios. Daí à conspiração foi rápido. Os passageiros da 1ª classe instigaram os da Segunda; os da segunda ampliaram os boatos aos da económica. Até que a paciência se esgotou: desterraram os comandantes e comandantas revolucionários todos pró porão, e organizaram eleições para delegarem novo comandante e restante tripulação. Estabeleceram-se as seguintes regras: para comandante poderiam concorrer os da 1ª classe; para comissário os da Segunda; e para hospedeira os da económica. E assim foi. O acto decorreu sem mais sobressaltos e com elevado civismo. Elegeram um humanista.
Entrou na cabina e encarou toda aquela panóplia de instrumentos, comandos e pedais. Sentou-se na cadeira de comandante e, depois de várias experiências e tentativas, descobriu onde ficavam os intercomunicadores. Conseguiu mesmo entabular conversação com aeroportos estrangeiros. Comunicou a situação. Recomendaram-lhe acções de emergência. Chamou os comissários e ordenou que transmitissem aos passageiros para apertarem o cinto. Os passageiros não gostaram. Começaram os múrmurios, especialmente entre os da 1ª classe. Os economistas, sobretudo, clamavam contra a incompetência e lirismo do humanista. Até que o humanista foi demitido e foram convocadas novas eleições. Ganhou um economista. Entrou na cabine, sentou-se na cadeira de comandante e pôs-se a fazer elaborados cálculos e contas. Por fim, consultando o manual de voo, descobriu qual era o pedal do acelerador e acelerou. Ufano com a conquista, comunicou pró avião: "vamos agora mais depressa, já podem desapertar os cintos!". A viagem lá prosseguiu, mas, entretanto, deu-se o caso da tripulação começar a comer mais que os passageiros e a entregar-se a orgias privadas em vez de servir o público. Nova agitação a bordo. Murmúrios, protestos, eleições. Escaldados com humanistas e economistas, elegeram um engenheiro. Mas o engenheiro nunca exercera. Entrou na cabine e olhou para o vasto e azul céu lá fora...Comovido, sentindo-se próximo do Senhor, ajoelhou-se e rezou. Depois, benzeu-se e veio dialogar com os passageiros sobre as virtudes e os vantagens da oração. A salvação era rezarem todos, talvez o milagre acontecesse. Mas o milagre não aconteceu e a tripulação, como a anterior, desatou a açambarcar víveres e mordomias. Desgostoso, o engenheiro abdicou e fechou-se na casa de banho, convertida em mosteiro imaginário.
Novo plebiscito e nova nomeação. Fartos de humanistas, economistas e engenheiros, tentaram com um advogado.O advogado esfregou as mãos; nem queria acreditar naquela verdadeira prenda dos céus. Mal chegou diante da porta da cabine, nem entrou: veio logo queixar-se que o engenheiro tinha levado a chave, que o avião estava em queda livre, que os motores gemiam gripados e as reservas de combustível retumbavam delapidadas.
Estarrecidos, os passageiros agradeceram o treino com o humanista e apertaram-se muito às cadeiras com os cintos; aproveitaram o treino com o economista e puseram-se a chorar muito depressa; aproveitaram o treino com o engenheiro e desataram a rezar fervorosamente. Enquanto isso, a tripulação do advovado, iluminada pelo exemplo das anteriores, correu a tratar do espólio urgente dos mantimentos e até dos bolsos e bagagens dos passageiros. Ao mesmo tempo colocaram o avião à venda na Internet.
Entretanto, o avião lá anda, às voltas, numa espiral descendente, cada vez mais baixo, entregue ao piloto automático e aos caprichos da meteorologia. A gasolina, tudo o indica, está-se a acabar.
Agora, espreitem bem lá para dentro...observem com atenção...Como é que se distinguem os políticos, presentes e passados, dos restantes?
É simples. São os que estão de pára-quedas.

E já agora, o episódio que falta na alegoria, completem vocelências.

Resultado do Referendo

Encerraram as urnas. E não me refiro às funerárias, que essas já a terra se sacia com elas, mas à votação a que as magníficas leitoras deste blogue tiveram a gentileza de responder. (O dragão curva-se em vénia e estende as asas...)
Pois bem, o referendo não deixou quaisquer dúvidas: parece que não há mulheres modernas a bordo. E, assim sendo, não haverá leite-creme: será mesmo o holocausto. Vou ali ensaiar uns gargarejos flamejantes e já volto.

E tu, mulher moderna
vou, com grande volúpia, escavacar-te
- assim me ampare o "engenho e a arte".

segunda-feira, junho 20, 2005

E agora para algo realmente urgente e importante...



ABAIXO ASSINADO


Nós, abaixo assinados, vimos por este meio, junto de Vª.Excª, digníssimo Dodo (sem t), aliás 001, para que se digne reabrir a sua chafarica superlativa e, de caminho, retire aquela lápide irritante que, nomeadamente, um tal Dragão já deita pelas escamas.
Mais requeremos a Vª. Excª que, por amor de Deus e da Virgem Santíssima, repense esse passamento intempestivo e medite profundamente no velório a que nos está a sujeitar, coisa de partir o coração a um rochedo e de fazer debulhar em lágrimas um Huno.
Esperamos, pois, em excruciada assembleia, que Vª. Excª aquilate da excelência das nossas razões e vá de boamente ao encontro dos nosso justos desideratos. Caso contrário, com imensa pena nossa, teremos de recorrer a medidas extremas, como, por exemplo, delegar no supracitado animal mitológico, guardador de poderes incomensuráveis e truques mais que muitos, a missão de o recambiar ao lugar devido.
A maré não está para retiradas. Não menospreze, Vª. Excª, o seu valor, a sua importância no combate à bosta que ameaça soterrar este velho e desvalido país, nem, sobretudo, a paciência do nosso Dragão de serviço.
Arrepie caminho, enquanto é tempo. Quem o avisa seu amigo é. Vêem-se caras, mas quando se vêem dragões já é tarde de mais. Nem tudo o que bloga é coiro. No blogar é que está o ganho. Pássaro prevenido vale por dois. Etc...
...
Dragão

(os restantes, e espero que sejam muitos - senão é que temos mesmo o caldo entornado e eu fecho também esta merda!...- assinam mais abaixo, na caixa de comentários)
PS: A sério. Não me façam mesmo chatear.

O Anti-Éden


A grande descoberta mental do crepúsculo do século XX: todas as utopias são ridículas, insustentáveis e perniciosas. Devoradoras de homens. A sensatez contemporânea é perfectófoba, na verdade somos todos perfectófobos, isto é, temos horror visceral à perfeição. Instaure-se a edenoclastia: a aversão escaqueirante ao Paraíso. O paraíso é uma grande chatice e só cria pobreza e desemprego. Por isso, o nosso progenitor primordial, mais respectiva concubina, se puseram ao fresco. E o abre-te Sézamo da felicidade industrial é simples: criar paraísos é uma perda de tempo e não combina com a idiossincrasia humana; logo, o que temos mesmo é que organizar devidamente o inferno. Pôr ordem na casa. Dar alguma arrumação, uma decoração estética e arquitectónica aos seus interiores: traçar avenidas espaçosas entre os tormentos, bairros residenciais sobre as agonias, cidades modernas para lá dos estertores, parques municipais para o desespero, aeroportos para a frustração, complexos fabris à beira do abismo, centros culturais para o sofrimento e hipermercados junto à tortura. Frustrados e ressabiados do Éden perdido, exercitamo-nos agora na construção obsessiva do Anti-Éden. Cuspimos e crucificamos Jesus Cristo todos os dias. E o Anti-Cristo não é outro senão o Adão Furioso. E hermafrodita.

domingo, junho 19, 2005

RÁDIO VULVA FM - O Regresso dos Mortos Vivos

Bem, caros leitores, neste momento, estão-se a abeirar de mim umas figuras sinistras, em tudo semelhantes às da fotografia do último postal, acompanhadas dum grande machado de executor e vários outros argumentos de peso. Como não tenho aqui à mão a minha Remington 870 Expresso (exactamente, aquela que podem consultar no meu Kit Balnear), deixo-vos com estas pessoas. Mas é só o tempo de ir buscá-la. Não demoro nada.

Zé do Grelo: Ora vivam, ciber-ouvintes! Cá está a vossa rádio preferida e também predilecta! Após uma longa ausência –forçada e prepotente, diga-se – por via desse farsola do Dragão que deu em armar ao careto e cagar d’alto na malta jovem, vimo-nos desapropriados da nossa antena e espaço musical. Mas esta noite vamos tirar a barriga de misérias! Babem-se, ó metaleiros, temos connosco o ídolo mais ignorado do momento, a mega anti-star a actualidade...ele mesmo, o único: Esquife Tale!! - Fundador e lider dos Caveira Maléfica, criadores do Morgue Metall, fundadores do TeleMetal e, ocasionalmente, líderes de Surf-Metal!!! Mas vamos à entrevista...
Boa noite, Esquife! Bons olhos te vejam (se bem que só de ver-te um gajo até se assusta, experimenta calafrios e quase se borra todo...) Poisa aí o machado; e a clava podes estacioná-la ali naquela cadeira...
Esquife Tal (subentenda-se a voz cavernosíssima)- Péssima noite para ti, ó Zé. E para todos os Ciber-fãs.
Zé do Grelo - Vai ser de certeza, Esquife. Contigo, só pode. Mas deixemo-nos de salamaleques e passemos ao que interessa. E o que interessa a todos, para além de saberem quando é que vais arrasar na "Quinta das Celebridades", e agora que já todos sabemos quem é o novo-Papa, é... estás preparado ó Esquife?...
Esquife Tal - Dá-me só um segundo para acabar de snifar aqui o pó...
Zé do Grelo - Então...aí vai: o vosso novo album, Esquife... é verdade que foi gravado em Vénus?...
Esquife Tal (fungando) - Pá, Zé, é verdade mesmo. Quer-se dizer, parte verdade. De facto, começámos a gravar em Vénus e acabámos em Jupiter. Sabes que o nosso baterista converteu-se ao ismaelismo, àquela facção dos "hashashin", também conhecidos por Assassinos, e deu em juntar o inútil ao desagradável: fuma umas ganzas e mata pessoas, de preferência daquelas que usam gravata e carros do estado. De modo que convém nunca ficarmos muito tempo no mesmo sítio. Isto, também, marca uma nova abordagem ritual: antigamente nós aguardávamos por uma boa confluência astral, agora ensaiamo-la nós próprios. Uma ideia do nosso produtor...
Zé do Grelo - O vosso produtor que, constou-se-me, voltou a ser o Conde Drácula III...
Esquife Tal - Sim, o Conde, essa lenda, voltou a produzir-nos... mas apenas as três primeiras faixas, porque, depois, prostrou-o outra overdose e teve que ser novamente internado para desintoxicação.
Zé do Grelo - O Conde novamente internado?! Mas isso é pólvora, ó Esquife. Ninguém sabia. O Showbiz estava convencido que o Conde nunca mais voltara à auto-estrada...
Esquife Tal - Pois, pá, Zé...Os médicos proibiram-no determinantemente de se aproximar de automobilistas, especialmente em Portugal, onde o teor alcoólico ultrapassa todas as medidas (parece que os aparelhos em vez de medirem a taxa de álcool no sangue já medem é a taxa de sangue no álcool)...
Zé do Grelo - É a seca, Esquife: à falta de água, a malta tem que recorrer a fontes alternativas (risos).
Esquife Tal - Yá, mas o Conde, como eu ia dizendo, curado e traumatizado das auto-estradas, lembrou-se das escolas. Vai daí, toca de ir fazer perfurações no pescoço dos miúdos. Pura ilusão. Foi pior a emenda que o soneto: em menos de nada ficou agarrado à erva, ao ecstazy e às drogas duras! Já não falando numa mistura a que os chavalinhos chamam shots e emborcam à força toda. Nas noites de fim de semana, havias de ver, o estado deplorável em que ficava o Conde...
Zé do Grelo -Calculo, ó Esquife, até me dá arrepios...Coitado do Conde. E vocês não tentaram ajudá-lo dalguma maneira?
Esquife Tal - Pá, a malta já lhe tinha dito que os chavalitos não eram de confiança, muito menos os pais...Por exclusão de partes, sugerimos-lhe os lares e asilos da terceira idade.
Zé do Grelo - E então, não melhorou?...
Esquife Tale - Qual quê! Ao fim de duas bombeadelas nos cotas, já estava agarrado a barbitúricos e analgésicos que eram umas contas na farmácia que Satã nos acuda. Os direitos de autor do último álbum, torrámo-lo em supositórios Ben-Huron e gotas Nasex. Mas o pior foi depois...
Zé do Grelo - 'Dasse, pior, Esquife? Ainda?...
Esquife Tale - Ya Zé, meia dúzia de extracções adiante e o gajo estava agarrado à televisão. Um perfeito vegetal, havias de ver!... Era a malta a querer gravar as vozes, de manhã, que é quando os fagotes estão mais apurados, e o gajo plantado diante do écran, todo compenetrado. Enquanto não gramasse a "Praça da Alegria", toda, (ao mesmo tempo que gravava para dose posterior suplementar, a "Fátima Lopes" e o panasca do Gouxa), ninguém o arrancava de lá.
Zé do Grelo - Nossa Senhora, Esquife!...
Esquife Tale - Nossa, o caraças! Vê lá com'é que falas! Só se for tua, vade retro!...
Zé do Grelo - Desculpa lá, ó Esquife: força de expressão. Diante dum horror desses, um gajo até pragueja. Chiça! Mas a "Praça da Alegria" toda?!! Valha-me Deus!...
Esquife Tale - E tu a dares-lhe! Bate já na boca e três vezes no metal!...
Zé do Grelo - Pronto, já bati. Mas é que isso, realmente...
Esquife Tale - Isso ainda não era nada. O mais grave estava para vir...
Zé do Grelo - Mais grave?!!! Dizes "mais grave", ó Esquife?! Brincas, não? Mais grave que isso é difícil de conceber.
Esquife Tale - Pois é melhor alargares os horizontes. Era a "praça da alegria", eram telejornais, telenovelas, reality-shows e tops não sei das quantas, tudo de enfiada, p'á veia e p'a cachimónia, que era vê-lo tripar que nem um cosmonauta intestinal!...
Zé do Grelo - Santíssimo sacramento de Jaasus!...Ops, desculpa lá, ó Esquife, mas é difícil um gajo conter-se!...
Esquife Tale - Quando sair daqui 'tou a ver que tenho que ir fazer uma "poluição espiritual"...
Zé do Grelo - Mas é que são horrores atrás de horrores...
Esquife Tale - E ainda falta contar-te o derradeiro...
Zé do Grelo - MAIS?!!!
Esquife Tale - Ya Zé, a páginas tantas, o Conde entrou num estado em que alternava a catalepsia babosa com uma ressaca fodida. Quer dizer, só já se aguentava de pé à força de doses reforçadas de TVI. Por incrível que pareça, só a bocarra da Moura Guedes o fazia sorrir, larvarmente, e sentir alguma coisa. Fora isso, bezerrava, vomitava, tinha alucinações, imaginava-se na catequese, no confessionário e até no conclave!...
Zé do Grelo - Por amor de Satã, ó Esquife, intervala aí que até já estou a sentir vertigens!...Isso é desumano! Estamos a receber chamadas de ciber-ouvintes em verdadeiro estado de choque...Há metaleiros que desfalecem e jovens vampiros à beira da anemia!...Um motard veterano, que ia a curtir nos headphones, já fodeu mais um rail!...E a garina que ia atrás entrou pelo parabrisas dum careto e manchou-lhe a gravata toda!...
Esquife Tale - Enfim, coitado do conde. Teve que ser metido num colete de forças e lá foi prá desintoxicação. A esta hora está no desmame...Dizem que é horripilante...Dão-lhe porrada e duches frios. Obrigam-no a frequentar exposições e saraus de poesia. A última vez que lhe telefonei, andava a ler Joyce, Witgenstein e Roland Barthes...Isso e filmes de Bergman e Fassbinder. A seguir, lamentou-se ele, parece que lhe vão dar Manuel de Oliveira e Woody Allen da fase senil, a tocar pífaro.
Zé do Grelo - Bem, e como é que os Caveira Maléfica ultrapassaram esse terrível contratempo, de ficarem sem produtor em plena gravação?
Esquife Tale - Pá, tivemos uma reunião com a editora. ‘Távamos num impasse. Até que o Rasputine, o baixista, teve aquela ideia genial de convidar o Professor Karamba e o Pastor Tadeu...
Zé do Grelo - O Professor Karamba e o Pastor Tadeu?!! Não me vais dizer que foram eles que produziram o resto do vosso album?!...
Esquife Tale - Ya, meu. E também o mullah Omar e o grande Rabi.
Zé do Grelo - Mas isso é bombástico,Esquife!!...Caros ciber-ouvintes, aqui, na vossa rádio predilecta, em primeira mão, a notícia do ano: os Caveira Maléfica produzidos pelo Conde Drácula III, o Professor Karamba, o Pastor Tadeu e ainda o Mullah Omar e o Grande Rabi... Mas vocês vão rebentar com as tabelas, vão estoirar com as "charts"!...
Esquife Tale - Bem, o Mullah Omar acha que era preferível que rebentássemos com a Estátua da Liberdade, ou com o porta-aviões Enterprise, mas a malta ainda não se decidiu...
Zé do Grelo - Mas, ó Esquife, isso é do outro-mundo! Com uma equipe dessas, vais acabar aonde, na Casa Branca? O Telemetal vai finalmente ter o seu Sgt Pepers Lonely?...
Esquife Tale - Afirmativo quanto ao concept album, mas negativo quanto ao Tele-metal. Por quesitos de mercado e oportunidade de negócio (e ultimato da editora) deixámos o Tele-Metal.
Zé do Grelo - Queres dizer que voltaram ao Metal que vos celebrizou na Transilvânia e entre os estudantes de Medicina Legal de todo o mundo: o Morgue Metal?...
Esquife Tale - Negativo, Zé. Os estrategas de vendas descobriram um nicho único...é todo um novo conceito avassalador: o Church Metal.
Zé do Grelo - CHurch Metal, Esquife?!!! Mas tu hoje queres matar-nos do coração? Mas isso é incrível!
Esquife Tale - Ya, parece que é o que 'tá a dar. É o que as massas desejam, o que o público quer: Church. Church e mais church. Isso, numa primeira fase. Depois, já está planeado, evoluímos para o Red Church Metal, ou Sacro-metalúrgico. O Tele, o Rave, o Jungle, o Hip, o House, o Disco, o Morgue já eram. A cena agora é sinos, fumo e mais sinos e mais fumo, alguns samples de camaradas em velório e também uma trompetas apocalípticas a toda a hora, para dar ambiente.
Zé do Grelo - Trompetas apocalípticas?!...
Esquife Tale - Ya, Zé...jornalistas! Coros deles, tunas, orfeões!... O heavy-rock vai dar lugar ao "rock ecuménico"... Aliás, a produção deste album já é todo um passo nesse sentido: o Professor Karamba, o Pastor Tadeu, o Mullah Omar e os Grande Rabi fartaram-se de dialogar. E também de andar à trolha, bem entendido. Mas o mais divertido foi quando cismaram que cada qual tinha que exorcizar os outros, que estariam possessos e abotelados por legiões maléficas...
Zé do Grelo- Ultra, Esquife! Alta inspiração, não?
Esquife Tale – ‘Atão não! O Mullah era o mais exaltado e não parava de bramar "O grande Satã! O Grande Satã!"
Zé do Grelo – E vocês?
Esquife Tale – Nós andavamos à bica do gajo, todos excitados e a bradar: "Aonde? Aonde?" Tá visto, se o Grande Mestre estava ali, a malta queria uns autógrafos, um estigma, umas tatuagens; enfim: um bafo tenebroso, no mínimo.
Zé do Grelo – Pois, ó Esquife, consta que o hálito infernal dá uma grande pedra!...
Esquife Tale – Sim, mas o cabrão do Mullah Omar era melhor que fosse mesmo atirar-se ao mar, e com um calhau bem grande amarrado ao pescoço!, porque o gajo o que ‘tava era c’uma bruta pedra e desatou a imaginar coisas. Ainda por cima o Príncipe!...
Zé do Grelo – Mas num instante era o Grande Mestre e no outro já era o Prince, que malaico!
Esquife Tale – ‘Dasse, Zé, tu também estás charrado?!...Qual Prince, qual carapuça: o Príncipe, o das Trevas, o Maligno Supremo!...
Zé do Grelo – Bem, ó Esquife, por falar em Maligno Supremo, não é o Dragão que vem ali com uma shotgun toda reluzente?...
Esquife Tale – ‘Dasse, é o farsola mesmo. ‘Bora mas é bazar.
Zé do Grelo – Bem, Ciber-ouvintes, foi mais uma emissão da vossa rádio predilecta. Zombies, vampiros, almas penadas, não desesperem! Ou melhor, desesperem mesmo, porque havemos de voltar uma noite destas. Mal aquele trombalazana foleiro que vos azucrina o juízo e nos obstaculiza a nós se distraia. Então, inté!...

(Ouvem-se tiros...)

Zé do Grelo (ao longe) – Foda-se, Dragão, atina!...Essa merda mata.

(Mais tiros...)

Zé do Grelo (ainda mais longe, quase a desaparecer) - Oh pá, ao menos respeita os convidados, caralho!...O Caguinchas é que tem razão: 'tás a ficar um nazi! Até te afixaram no índex ou portal Nacionalista, ou lá o que é!...
(Tiros...)

Silêncio.
.

sábado, junho 18, 2005

Ossos do Ofício ou Amanhã é Sabath (aliás, hoje)



Lá vou presidir a mais um festival rock. Ou heavy-metal, segundo os patrocinadores, esses eruditos. Para mim, é igual. A seca do costume: berros, uivos, batuques, quadrupedescências, relâmpagos, danças macabras, possessões, frenesins...Já deito isto pelos olhos. Pelos ouvidos, então, nem se fala: uma espécie de napalm sonoro...ou desfolhante laranja, melhor dizendo. Aliás, se uma esquadrilha benemérita largasse bombas no arraial, um tapete delas, bem apontadas, formando lindos cogumelos, acho que ninguém dava por nada. Ao contrário, ainda festejavam e desatavam em comentários deslumbrados do estilo:
"Eh pá, efeitos especiais bué d’a loucos!..."
"Yá, man, olha-me só aqueles bacanos a arder!..."
Pesam-me os séculos. E estes humanos vão de mal a pior. Enchem a boca de palavras solenes como, por exemplo, "progresso" – que é um progresso para aqui, que é um progresso para ali, que é, enfim, um progresso que nunca mais acaba -, e eu, sinceramente, o que me dá é vontade de emigrar para outra galáxia, de ir montar tenda noutra freguesia. Progresso?
Pois sim. Continuam tão hirsutos, bestiais, esguedelhados, escaganifobéticos, fedorentos e obscenos quanto há cem, há duzentos, há trezentos, há quinhentos anos. Não evoluem, patinam. Na bosta que vão amontoando e apurando, fanaticamente. Uma lástima! E o pior é que, mesmo nos equipamentos básicos, no desembaraço técnico, regridem: agora chegam-me numa deplorável romaria pedestre, que nem almas penadas, arrastando botifarras desconformes, indignas, de verdadeiros sonâmbulos errantes, lúgubres quasímodos, pelo pó das estradas e caminhos. Porra, ao menos antigamente, sempre chegavam pelos ares, montados em vassouras!...

sexta-feira, junho 17, 2005

Sabedoria sofre

Enquanto decorre a votação, alguns episódios hilariantes sucedem.
Uma das votantes (a digníssima Sofia do Triciclofeliz), deixou um comentário que é uma pérola. E não, não estou a ser irónico. Ora oiçam:
«Eu sou balzaquiana e não fui citada no artigo aviz sobre as gajas do país dele. Sofro.»

Confesso que não li o artigo. E enquanto não arranjar equipamento apropriado -máscara anti-gaz e pinças -, duvido que o consiga fazer.


Mas, sempre vos digo, duvido que a Sofia sofra. Acho que se ri. E eu também. Junto com ela.

Os Bois e os nomes

A cara Catarina (que já cumpriu o seu dever cívico, bem haja!) insurge-se no seu blog contra uma certa manada googlo-intelectualóide, se assim lhes posso chamar e se é que li bem (não devo ter lido, porque raramente acerto uma). Presumo até que estes googlo-coisos devem ser primos dos wikipedio-junkies que, por desfastio, ocasionalmente zurzo.
O único reparo que a sua prosa me sugere, penitenciando-me antecipadamente por essa audácia, é que chamasse realmente os bois pelos nomes.
Eu, que, modéstia à parte, sou perito nessa matéria, chamo sempre.
Eles, com algum pesar meu, é que não respondem. Refugiam-se em tábuas e nem de cernelha de lá saem. Às tantas, até já me interrogo se serão mesmo bois ou lapas gigantes armadas de cornos.
Mas no seu caso talvez fosse ao contrário. Talvez eles acorressem com grande alacridade e desembaraço. Talvez, acicatados de súbita coragem, desatassem a cabriolar por toda a praça. Afinal sempre lhes aumentava os visitantes. E como no fundo -dos livros, jornais, revistas e CDs até aos blogs e telejornais -, o que conta é a tiragem, o nível de audiência...
Ora, isto transporta-nos às conclusões: Hoje em dia, ninguém se importa de dar o cu (até acrescenta os oito tostões), ou prestar-se às figuras mais aberrantes e patéticas. Desde que tenha público, muito público, a assistir.
Por isso, a mesma razão que os leva a desdenhar, snobes, um redondel perdido no cu-de-judas como o meu, fá-los-ia decerto trotar felicíssimos para esse seu quase Campo-Pequeno ou Monumental de Cascais, salivando em dengosa volúpia ao brilho das luzes e da fanfarra.
Já não me lembro o que é que os antigos e medievais queriam ser. Os modernos sei que queriam ser Deus: expulsaram-no até dos céus e desataram a construir uma torre de ciência positiva, uma babel com regras matemáticas e dialecto também. Estes agora, chama-se-lhes o que se quiser, já não querem nada disso: contentam-se em ser Notícia.

quinta-feira, junho 16, 2005

Referendo às Leitoras



Estimadas leitoras,

Numa rara condescendência às virtudes da Democracia, esse emético infalível, solicito a todas vós, superlativas beldades e vigorosas inteligências, que tenhais a gentileza de votar nas caixas de comentários abaixo se "Sim", sois mulheres modernas; ou se "Não", não sois mulheres modernas.

Vem isto a propósito duma incineração que me foi encomendada sobre o assunto. Ora, sendo vós a maioria -pressinto mesmo que esmagadora - dos visitantes desta espelunca, (as mulheres têm razões que o Dragão desconhece), convém-me usar de certa prudência neste assunto, como, aliás, recomendavam os gregos clássicos e manda a diplomacia. Quem tem loja aberta não deve aterrorizar a clientela; e, estando eu em vias de me tornar um bloguista respeitável, (não fora o Portal Nacionalista), manda o cálculo anfibológico que, por via dalguma labareda imponderada, acautele o hara-kiri sitemeteriano. Ora, como o Sitemeter é quem mais ordena...

Assim, dizei de vossa justiça. Votai em liberdade. Do vosso veredicto soberano vai depender termos aqui um holocausto...ou um leite creme.

Outra coisa: a "abstenção" será entendida como "não".

Mas lembrai-vos sempre: vós, leitoras do Dragoscópio, ao contrário do seu autor, sois a nata da sociedade, a elite do pensamento, a luz do mundo! É imensa a vossa responsabilidade.
Não me fragmenteis o meu granítico coração, minhas antipodazinhas!...

Up grade : Sobre o conceito de "mulher moderna", como eu a entendo, digamos que é aquela cuja maior aspiração é ser igual ao "homem moderno". Se pensarmos que o "homem moderno" tem como supremo desígnio tornar-se igual à "mulher moderna", temos uma tautologia inquietante.

quarta-feira, junho 15, 2005

Dacrio-acaristeia

De roda do féretro do poeta afadigavam-se, como é do protocolo, abutres e carpideiras. Calculo que alguns grandes sáurios também. Iam-se servindo à vez.
A certa altura, como nem ao diabo lembrasse, lembrou ao Cadilhe, insigne contabilista. À passagem do microfone, aproveitou para largar, sentencioso, o seu despejo:
«Figura ímpar... o maior poeta português de sempre!..." (não está ipsis verbis, mas foi qualquer coisa como isto).
Em seu redor, uma vaga de assentimento repercutia os queixos. Compreende-se. O cadáver fresco é sempre o melhor. Há que aproveitar enquanto é notícia. Tanto quanto a carcaça em decomposição, a televisão atrai as moscas.
A mim, todavia, refém duma grandessíssima estupidez, o peregrino veredicto mergulhou-me num torvelinho de sentimentos contraditórios...
Por um lado, congratulei-me e quase rejubilei: afinal, é de poesia que os nossos economistas percebem. (O que, confesso, não me surpreende: Sempre achei duma inultrapassável grandiosidade lírica os nossos Orçamentos Gerais do Estado. Para já não falar na Saga do Défice, só equiparável, havemos de reconhecer, a uma Ilíada ou Odisseia. Aliás, se ninguém de real talento e mérito se apresentar, ainda um dia destes me aventuro eu, fardado de vate, para escrever a Defisseia. Não podemos privar a posteridade dum tal canto.) Mas, por outro, desabei, com estrondo, numa enorme perplexidade: "maior", o poeta, em que sentido? Era o mais alto? Tivesse fracassado na poesia e, facilmente, teria conquistado taças e títulos no basquetebol? Ao esticar o pernil, alcançou dimensões inauditas? Enfim, sempre misteriosas estas medições e arcaboiçaduras de última hora.
Em terceiro lugar, e para remate do turbilhão mental em que aquelas revelações me haviam lançado, indignei-me com a leviandade das pessoas e bradei em pensamento:
"Ingratos! Gente de memória curta! Frívolos! Volúveis! Agora é o Eugénio o campeão, hem?!... Já se esqueceram do Ary dos Santos?!..."

Ai Ceifeira, não ceifes mais!...


Era difícil não escutar, tal o pranto. Enquanto o país se entregava a uma das suas modalidades favoritas -o "pontismo"-, a Ceifeira-de-Todos-Nós, como que a dar o exemplo, pôs-se a fazer horas extraordinárias. Não sei se foi para compensar da preguiça alheia. O certo é que, em menos de nada, não esteve com meias medidas e subtraiu-nos três dos mais emblemáticos cidadãos nacionais (aliás, internacionais, porque "nacional" actualmente parece que é injúria).
Fazendo fé nas notícias e obituários, foram recambiados à presença do Criador nada mais nada menos que:
- Uma das grandes figuras da história portuguesa do século XX (um tal de Álvaro qualquer coisa) ;
- O maior poeta português de sempre (o que o próprio pseudónimo já indiciava -"Eu-génio", e um tipo que se autodenomina Eu-génio já a leva fisgada)
- Um dos maiores governantes portugueses dos últimos cem anos (um Vasco que era companheirão e usufruia de muralhas de aço).

Bem, diante duma hecatombe destas, supliquemos à Grande Ceifeira que, embora com a mão na massa, e todos sabemos como é difícil frear nessas circunstâncias, mesmo assim, abrande e não se deixe levar por entusiamos despovoantes. Que faça, pelo menos, uma pausa; que nos conceda um intervalo de todo conveniente para que possamos escoar, ao menos, estes charcos de lágrimas em que nos debulhamos.
Até porque, por exemplo, se nos leva agora o Mário Soares...
- Lá ficamos nós sem a outra grande figura do século XX português - completamente órfãos, portanto (é como se a seguir ao pai, nos morresse a mãe; a juntar aos traumas inerentes de sermos filhos de pais divorciados);
Ou se nos subtrai, já de seguida, a Agustina e o Saramago...
- Lá ficamos nós sem os maiores romancistas portugueses de todos os tempos;
Se nos sonega, de roldão, (a Senhora da Fátima não o permita), o Marco Paulo...
- Lá ficamos nós sem a maior figura da música portuguesa de sempre;
Ou -cruzes,credo!-, se por arte dalguma artimanha rodoviária, sei lá, nos liberta da Margarida Rebelo Pinto...
- Lá ficamos nós, sei lá, sem a mais cintilante esperança das letras lusas, desde que, em data e local incerto, Luís de Camões nasceu.

Por conseguinte, cara Morte, tu que ainda és minha prima, se bem que afastada, vê lá o que é que fazes. Mais que esse cálice, afasta de nós esse serviço de chá completo. A não ser que, por mandato do Altíssimo, se esconda por detrás de tão insondáveis desígnios uma pedagogia deveras útil e oportuna... Ou seja, à falta da água que cai do céu, vamos nós espremer as alminhas e regar os campos sedentos com a água que nos brota dos olhos.
Ora, se só neste fim-de-semana já quase encheram um Alqueva...

segunda-feira, junho 13, 2005

Dicionário Shelltox Concise do Dragão - Letra D

Na sua odisseia intrépida pelo desbravamento dos novos horizontes semânticos da Língua, o Dragão, essa besta, tem a honra de apresentar mais um capítulo do seu Dicionário Shelltox.
Refastelem-se, pois, com a letra D. Enquanto não chega o E.

Dacnomania adj., mania de certos doentes, jornalistas ou políticos em campanha, que os leva a morder-se a si próprios ou a morder as pessoas que os rodeiam; pode ser ou não acompanhada de ladradelas, uivos ou latidos; variante doméstica da licantropia
Dacriúria s.f., derramamento involuntário e simultâneo de lágrimas e urina; forma de carpir a generalidade dos políticos - por um lado, chora-se publicamente o passamento, por outro, mija-se mentalmente na sepultura
Dadaísmo s.m., movimento artístico que consiste em pintar ou escrever na retrete (também conhecido por teoria da tripa evacuação); variedade agressiva de incontinência mental, sobremaneira activa e infecciosa durante a adolescência
Dador adj., otário; indivíduo, instituição ou país duma credulidade a raiar o imbecil; fomentador de corrupção; amigo dos corruptos
Darwinismo s.m., doutrina estabelecida por Darwin, cientista inglês (1809-1882) que tenta explicar a origem e evolução dos ingleses, (e, quanto a mim, consegue-o plenamente), com base nos caprichos do seu antepassado primitivo: o chimpanzé. Contraria, com o seu optimismo, algumas teorias que sustentam residir esse ponto de partida nalguns répteis anfíbios dotados de polegar intransponível.
Debandada s.f. descolonização (em Portugal); no geral, retirada depois de concerto rock, jogo de futebol ou desastre de magnas proporções
Debate s.m., conversa amena entre cómicos; concurso de anedotas; certame de histriões
Débil (mental) adj. 2 gén., cidadão elegível para cargos públicos
Deboche s.m., razão de estado; interesse público; critério de selecção; os fins ou metas da civilização (qualquer que ela seja)
Debulhadora s.f., pessoa que sofre de bulimia; lafegão ou lafegã; criatura esgalamida, sobretudo quando é outrém a pagar o débito
Decadência s.f., (nos indivíduos) velhice, caquexia, deterioração gradual das faculdades físicas ou psíquicas; (nas sociedades) liberalismo; materialismo; porcinomania
Decadentista adj., nefelibata megalómano, isto é, indivíduo que se fantasia deambulando sobre nuvens, com o mero intuito de defecar nos peões em baixo; neoliberal
Decalcomania s.f., arte de reproduzir pensamentos alheios através de artigos de "opinião" em jornais, rádios, televisões e blogues –também conhecida por "mainstream"
Decálogo s.m., conjunto de dez caprichos ou birras com a mania das grandezas;
Decapitar v.tr., (uma pessoa) cortar a cabeça; (um país) implantar a república
Decência s.f., conceito arcaico; (actualmente) motivo para chiste, galhofa ou chacota
Decepção s.f., logro; acto ou efeito de enganar; governo; eleições
Decifrar v.tr., ler ou compreender uma coisa obscura ou escrita em cifa; ler jornais
Declamar v.tr., recitar em voz alta; discursar com afectação; arengar no parlamento
Declarar v.tr., mentir; vigarizar; aldrabar
Decocção s.f., acto de ferver substâncias para lhes extrair os princípios activos; (em Portugal) sistema de ensino
Dédalo s.m., repartição pública; concurso público; tribunal; processo judicial
Dedilhar v.tr., passar levemente os dedos sobre teclas, sem intenção de execução; gerir; administrar; jogar cartas no computador
Defeito s.m., imperfeição (física ou moral); motivo para subsídio, privilégio ou recompensa; sinal de superioridade; vantagem social
Deferir v.tr, despachar favoravelmente; retribuir favor; embolsar; enriquecer de modo expedito e fácil
Defeso s.m., quadra do ano em que a maioria da população toxicodependente experimenta excruciante ressaca por falta da substância que avidamente consomem: a futebolaína
Défice s.m., papão pós-moderno; espectro imaginário e órfão com que se mete medo aos pais das crianças
Deficiente s.m., indivíduo que se apresenta como padrão às gerações vindouras e como modelo às homenagens públicas; candidato a comenda ou sinecura
Deflação s.f., mito urbano
Defluxão s.f., escoamento de humores; manter uma coluna plumitiva ou, por mimese emuladora, um blog
Deformação s.f., alcançar diploma
Deformar vtr., ensinar; desfigurar; educar
Defraudar v.tr., espoliar; exercer a actividade bancária; exercer o chamado poder autárquico
Degenerado adj., moderno; sofisticado; bem relacionado
Degenerescência s.f., diminuição ou perda de vitalidade; carreira nas artes; consagração; moda; ascensor social; conjunto de ardis e estratagemas capazes de tornar alguém protagonista crónico das páginas de revistas "pink"
Degradação s.f., processo demográfico; promoção artística
Deificação s.f., acto de deificar; apoteose; celebração duma taça ou campeonato de futebol
Dejecto s.m., arte, segundo as "glórias do momento a ferver"; alta-costura; artigo de opinião; excremento efémero; matéria dos Tops
Delação s.f., desporto nacional português
Deletério adj., nocivo à saúde; pimba; light; pop
Delico-doce adj., politicamente correcto
Delírio s.m., raciocínio; crença patológica em factos irreais ou concepções imaginativas desprovidas de base ou fundamento; vulgar estado de espírito nas sociedades ocidentais modernas, onde a generalidade dos cidadãos é mais ou menos delirante, tornando-se já praticamente impossível encontrar indivíduos imunes
Demagogia s.f., substância da democracia; processo de auto-hipnose que consiste em a turba espelhar-se, narcisicamente, nas suas emanações fecais (os políticos, artistas, ícones), e vice-versa
Democracia s.f., tirania da multidão, ou oclocracia; regime onde o absurdo impera, já que o putativo soberano delega os plenos poderes em terceiros que sobre ele exercem todas as arbitrariedades, traições, fraudes e saques possíveis e imaginários; estado geral de fermentação e efervescência duma muliplicidade de egos até à eclosão dum único ego predominante e incontestado; género teatral
Demonstração s.f., operação mental que, num indivíduo convicto de determinada miragem mais ou menos trapalhona, consiste em convencer outros da perfeição deslumbrante do seu delírio; vulgarmente, aquilo que sucede à petição de princípio
Dendroclasta adj., e 2 gén., pessoa que não respeita as árvores; autarca; burguês; labrego com acessórios
Denegrir v.tr., criticar; comentar; cobrir de baba elogiosa
Depenar v.tr., taxar
Dependência s.f., subordinação; anexo;
Depredar v.tr., especular; investir; gerar riqueza; gerir; criar emprego
Depressão s.f., estado mental mórbido caracterizado por lassidão, desmoralização, astenia, outrora endémico em certas regiões do país (vd Alentejo) mas que, entretanto, alastrou galopantemente ao resto do território nacional, sobretudo à capital; epidemia comsumptiva e debilitante causada pela infestação de oxiurídeos alentejanus na função pública
Depurar v.tr., fazer política
Dermatologia s.f., parte da medicina que se ocupa do estudo e tratamento das convicções políticas e outras urticárias ou tatuagens
Derrogação s.f., acto ou efeito de derrogar; abolição pontual de lei ou regulamento a troco de gratificação; fiscalização habilidosa
Desaçaimar v.tr., açular; noticiar
Desarmar v.tr., democratizar
Descapotável adj. 2 gén., calvo
Descentralizar v.tr., metastizar
Descolonização s.f., ver "debandada"
Descartável adj. e s.ft.*, que se usa e deita fora; ser humano; mão de obra; escravo moderno; conjuge
Desemprego s.m., limbo contemporâneo, para onde são enviadas as almas penadas; geena urbana
Desencarcerar v.tr., dar espectáculo; causar engarrafamentos; desembaraçar a sucata, de modo a que esta possa seguir para os desmanteladores oficiais
Desenrascar v.tr., portuguesismo que significa planificar, organizar
Desenvolvimento s.m., pretexto para roubar as pessoas e atentar contra a paisagem; subterfúgio para varrer o passado, conspurcar o presente e mutilar o futuro; masturbação compulsiva das aparências acompanhada de retrocesso nas essências
Desertificar v.tr., urbanizar
Desfalcar v.tr., gerir; administrar; governar
Design s.m., factor determinante da política, essencial à democracia; concepção gráfica de um produto
Desígnio s.m., [nacional] fazer de Portugal um imenso e completo autódromo; [internacional] instalar à escala global a criptocracia americana
Desincentivo s.m., subsídio; ajuda; fundo de apoio
Desinfestação s.f., utopia violenta caracterizada por grande derramamento de sangue
Desmamar v.t., demitir
Desmoralizar v.tr., discursar; fazer uma alocução ao país
Desonesto adj., contrário ao decoro, ao pudor; obsceno; competitivo; ganancioso; canibal adorador do lucro
Desporto s.m., pretexto para doping; forma complexa das pessoas não fazerem exercício e ficarem obesas e histéricas observando uma micro-elite atlética e principiescamente remunerada a retouçar nas mais diversas cabriolices
Déspota s. 2 gén. Cidadão que se cansou de ser tiranizado pelos outros; produto acabado da democracia
Despotismo s.m., forma minimalista, desabrida e sintética de democracia
Desratização s.f., mecanismo de saneamento das contas públicas – o único eficaz, mas jamais utilizado
Desresponsabilizar v.tr., [em Portugal] eleger para um cargo público
Desumanidade s.f., crueldade muito frequente, mas que varia muito com o ponto de vista e o cumprimento ou não das formalidades legais
Desvirilizar v.tr., globalizar; desossar; terraplenar; uniformizar; modernizar
Detective s.m., fornecedor de carne para os tribunais
Deus s.m., jogador de futebol extremamente habilidoso; ponta-de-lança demiurgo e capaz de golos miraculosos; craque; cromo valiosíssimo
Devassar v.tr, primeiro e único mandamento da seita jornalística
Devastar v.tr., destruir, assolar (quando praticado pelo vulgo); acção benemérita (quando praticado esotericamente, ou seja, por potência hegemónica)
Devoção s.f., veneração de ídolos profanos praticada por mentecaptos facilmente sugestionáveis
Diagnóstico s.m., vaticínio moderno levado a cabo, geralmente, por arúspices vestidos de branco; sofisticado método de adivinhação que consiste não em espreitar (ou manipular) as vísceras duma qualquer ave ou peixe consagrados, mas do próprio paciente ou consultante
Dialéctica s.f., proto-marketing; conto do vigário; vigarice sublime
Diálogo s.m., duplo monólogo; conversa entre duas ou mais pessoas usualmente surdas ou em adiantado estado de autismo; duelo de vontades
Diarreia s.f., Extroversão desinibida
Dignitário s.m., pessoa que exerce um alto cargo, geralmente, sem dignidade nenhuma
Dinamite s.f., desodorizante social; desanuviador de ambiente; argumento vigoroso
Dinheiro s.m., divindade plenipotenciária do mundo moderno; antigamente era considerado como um "meio", mas, modernamente, ascendeu à categoria de "fim" - o mais sublime e único, aliás; causa final, na teleologia capitalista
Disbúlico s.f., português; ver também abúlico
Disciplina s.f., conjunto de leis, hábitos ou ordens que regem certas colectividades, mas não a nossa; instrução e educação fictícias que servem de pretexto para tropelias, abusos e prepotências da parte dos professores medíocres aliados aos alunos medíocres, em vespeiro capcioso, contra os professores competentes e os alunos inteligentes
Discípulo s.m., sabujo; acólito; capacho
Disco-jockey s.2 gén., sacerdote neoliberal (por contraposição a cassete-jockey: lider comunista); pastor neo-evangélico; melófobo profissional; ministro do barulho
Discriminação, s.f., pode ser de estirpe maligna, quando praticada pela maioria
Ditadura, s.f., corolário da democracia
Divórcio s.m., finalidade moderna do casamento
Dodó s.m., bloguista próximo do genial e, por conseguinte, alarvemente ignorado pela mediocridade vigente; ave rara que se julga extinta, mas está apenas escondida para que não acabem com ela
Doença s.f., principal cultura moderna, graças à peregrina descoberta que um "homem doente" é muito mais lucrativo e gerador de riqueza que um "homem são" – daí o lema capitão da nossa sociedade: "mente insana em corpo mórbido"; galinha dos ovos de ouro da indústria (sobretudo, a farmacêutica)
Doentio adj., moderno; progressista; mórbido; autodestrutivo; em desenvolvimento
Dogma s.m., opinião imposta pela autoridade, pelos media e até por blogues epilépticos, e aceite sem crítica nem exame; doutrina proclamada como verdade da fé politicamente correcta por um concílio mafioso internacional; proposição apresentada por um imbecil e geralmente mascarada de científica
Doidejar v.intr., fazer política; macaquear jornalistas; desfilar no jet-set
Dolo s.m., mandamento principal da moral capitalista
Doméstico adj., masculino; ocidental
Doping s.m., combustível para desporto de alta competição
Dose s.f., quantidade de televisão necessária para manter uma família num estado economicamente conveniente de letargia semi-vegetal
Dosímetro s.m., contador do nível de audiências
Doutor s.m. indivíduo diplomado com o mais alto grau universitário, o qual dá direito ao uso de borla e capelo; (em Portugal) qualquer licenciado de merda; animal quase sempre –e cada vez mais- irracional, inculto e rudimentarmente alfabetizado
Doutora s.f., fémea do doutor.
Doutrina s.f., ideologia
Dragão s.m., monstro imaginário que se apresenta com língua venenosa e bífida, cauda de cometa, asas, garras e um lança-chamas incorporado; famigerado personagem blogosférico, irascível, ferrabrás e iconoclasta; segundo o Apocalipse (12-13), no fim dos tempos, um misógino, mas, na realidade, e entretanto, um mulherengo; o signo mais generoso e quixotesco da astrologia chinesa; um dos estilos do Kung-Fu; [fig] pessoa de mau génio – por oposição a "eu-génios", ou sejam, pessoas de bom génio ou geniais; guardião do tesouro
Dramaturgia s.f., arte de compor peças para o teatro, onde sobressaem, pela sua complexidade tragicómica os chamados OGEs (Orçamentos Gerais do Estado)
Drástico adj. A) conveniente; higiénico; B) s.m., purgante violento
Driblar v.tr., trabalhar para a felicidade das massas
Droga s.f., estupefaciente; narcótico; excitante; televisão; futebol; propaganda
Drogar v.tr., ministrar drogas; injectar; sulfatar; impingir; emitir; vender; emprestar a juros;
Dromedário s.m., contribuinte com uma única bossa
Dulocracia s.f. , preponderância aparente dos escravos através de sufrágios fictícios quadrianuais; regime mais conhecido por democracia parlamentar
Dúvida s.f., espécie à beira da extinção

Iniciada a contagem decrescente...

Aguarda-se, a todo o instante, mais uma edição do famigerado Dicionário Shelltox Concise do Dragão!
Nada mais nada menos que a letra D!...De, entre muitos outros, "democracia", "ditadura", "dromedário" e, suspense maior, "Dragão" himself!

sábado, junho 11, 2005

As Panhonhices de um snob

O que se segue é um trecho de um artigo de João Pereira Coutinho no "Independente", retirado do site do personagem. Não está minimamente em causa a genialidade do autor. Basta pertencer à classe JP (neste caso, C), para usufruir dum talento superlativo, duma sabedoria excelsa e acima de qualquer suspeita.
E depois, há toda a elegância, a infinita seriedade incomensurável de assinar com o próprio nome. De dar a cara com valentia. Que coragem! Os JPês, de facto, são os maiores (o JPC, o JPH, o JPP, o JPT, e todos os outros vinte que ora me não lembram), e pensa-se, há mesmo provas disso, que a sapiência (senão a Deusa Razão em pessoa) os visita e mantém com eles comércio; por ordem alfabética, claro está.
Ora, eu também assino com o próprio nome, mas, como ninguém me conhece, degradam-me à categoria dos anónimos. Pertencer a essa família, resulta num tremendo opróbrio: sou cobarde, vil, biltre, e uma lista de desqualificações que seria agora fastidioso elencar. Todas elas merecidas, que ninguém duvide.
Pois bem, não discuto. Diante de valentões destes, biltre, pulha, tratante convêm-me.
Em conformidade, convido Vªs Excªas a assistirem ao que um biltre como eu faz, por pura maldade, a um génio encartado como o JPC.
Transcrevo em primeiro lugar o belíssimo trecho da sua imaculada prosa por inteiro. E depois passo à análise comentada, em partes. A itálico negro, os meus comentários. A roxo, normal, as pérolas dele.


«GOSTO de trabalhar. Gosto do trabalho bem feito. E bem pago. Mas prefiro livros e silêncios e mais livros. Demasiado anglófilo? Not really. Mas entre Joyce ou Lídia Jorge, o meu coração balança. Não acredito em nenhuma ideologia redentora capaz de ordenar o caos que nos consome. Vamos indo e vamos vendo. Sabemos pouco. Sabemos nada. Respeito a política, a única actividade verdadeiramente nobre do ser humano. Mas desprezo os políticos. Como, aliás, o grosso da espécie humana. Somos capazes de tudo. Tudo. Auschwitz e o gulag não foram páginas singulares. O pior, como sempre, ainda está para vir. Sociedade ideal? Uma sociedade onde não exista nenhum ideal. Isto faz de mim um conservador? Talvez. Prefiro a certeza do que tenho à incerteza do que não tenho (...)»

Ora bem, vamos lá então desconstruir isto. É fácil. Como se trata duma escrita Lego, ou aglomerado de telegramas, basta desmontar pecinha por pecinha.

GOSTO de trabalhar
Os chineses também.
Gosto do trabalho bem feito
O dos outros, claro está. Porque o dele, pela amostra em presença, bem pode limpar as mãos à parede.
E bem pago.
O dele, logicamente.
Mas prefiro livros e silêncios e mais livros.
A avaliar pelo que escreve, melhor seria concentrar-se nos silêncios. E, já agora, também no branco imaculado das páginas, que também é uma espécie de silêncio. Dourado, se pensarmos nos derrames dele.
Demasiado Anglófilo?
Estava a pensar mais em cretino, bacoco. Enfim, o conceito puro, sem o eufemismo.
Mas entre Joyce ou Lidia Jorge, o meu coração balança.
Acredito que sim. E entre Vaugh ou Margarida Pinto deve brincar à cabra-cega. Aliás, mais que de coração, é uma questão de estômago.
Não acredito em nenhuma ideologia redentora capaz de ordenar o caos que nos consome.
As ideologias redentoras, quando desatam a redimir, estão-se bem pouco marimbando para que se acredite nelas ou não. Em todo o caso, prefere ser consumido pelo caos, que pela fé numa qualquer ideologia. Está bem. No fundo, os seus antepassados espirituais, grandes ginastas, prosseguem a sua saga arborícola, enriquecendo com a estridência dos seus guinchos o verde luxuriante e pitoresco da selva.
Vamos indo e vamos vendo.
Sem dúvida. E os outros vão levando e vão-se despindo.
Sabemos pouco.
E fazem o mínimo.
Sabemos nada.
Por isso fazem pouco.
Respeito a política, a única actividade verdadeiramente nobre do ser humano.
Falta referir em que planeta. E, já agora, que época.
Mas desprezo os políticos.
Lá está. Não pode estar a referir-se ao mesmo planeta e à mesma época.
Como, aliás, o grosso da espécie humana.
Pois, só aprecia o fino. É um misantropo selectivo, esquisito, afectado. Em suma: um snob.
O meu amigo Caguinchas, que não é génio, sublinhe-se, também gosta muito de finos. Desde que possa bebê-los.
Somos capazes de tudo. Tudo.
Deve referir-se à quadrilha dele. Mas um pouco de modéstia não lhe ficava mal. A não ser que se trate de propaganda, marketing promocional, slogan de campanha... Ou magalomania.
Auschwitz e o gulag não foram páginas singulares.
Pelo contrário, foram páginas singularíssimas, duma grande bizarria. E Hiroshima e Dresden também.
O pior, como sempre, está ainda para vir.
Acredito que sim. Infelizmente, como não sou assinante on line, nem gasto dinheiro com lixo, não tive acesso ao resto do artigo. Mas este preâmbulo promete.
Sociedade ideal? Uma sociedade onde não exista nenhum ideal.
Um formigueiro, portanto. Ou uma aldeia global dos macacos, com uns a fazer macaquinhos, outros a tirá-los do nariz, em profunda meditação, e uns terceiros a tocar punhetas.
Isto faz de mim um conservador?
De maneira nenhuma. Temo bem que não exceda o mentecapto.O pelintra mental, melhor dizendo.
Prefiro a certeza do que tenho à incerteza do que não tenho.
A engomadeira dum amigo meu também pensa assim. E já faz férias nas caraíbas. Criatura desprezível, convenhamos. Até porque é grossa. Grossíssima. Mas anda a treinar para fina. Quando regressar de Varadero, já ameaçou, vai equipar-se com uma banda gástrica.


Moral da história:
Num mundo justo, este indivíduo trabalharia nos CTT e rabiscaria telegramas. No paraíso da mediocridade, escreve num "Semanário de referência" e há-de ser condecorado um dia destes.



sexta-feira, junho 10, 2005

Mais um Dia, mais uma viagem

Hoje é dia 10 de Junho, mais um, e adivinhem o que lá vem... Pois, as condecorações, comendas e prebendas da praxe. Só com a Ordem do Mérito, é uma romaria. A Torre e Espada é ao desbarato, ao melhor estilo dos brindes da Farinha Amparo. E a insigne comenda de "Vinhos e petiscos", essa, então, é aspergida sobre a turbamulta apinocada que, maldisfarçadamente se comprime e acotovela, à babujem da carcaça. Lúgubre congresso, de facto.
Mas deixem que vos diga, eu acho muita piada a isto da Ordem do Mérito num país onde o mérito -o verdadeiro e não apenas o de pechispeque- só é reconhecível a título póstumo. Como dizia o Almada, "é um país onde Camões morreu de fome e todos enchem a barriga de Camões!"
Em todo o caso, é um protocolo, uma tradição, e ninguém morre por causa disso. Condecorem-se! Ou melhor: vão-se condecorar todos!...
Por mim, só acho que a coisa, além do clássico endoconsolo, está a ficar um pouco obsoleta. Os tempos nunca estão quietos e cada dia reclamam novas premências. É já incontornável: Mais que do Mérito, urge que se crie a Ordem do Martírio. E que seja atribuída, colectivamente, ao bom povo português.
Ainda por cima, não só o merece, como parece ser das poucos cultos cuja devoção não definha. Aqui, "martírio", entenda-se como eufemismo para "auto-flagelação". Pensem nas eleições, nos media, no futebol, entre muitas outras coisas, e confiram.
No fundo, parece repetir-se ad eternum -cá, mais do que na própria Grécia Antiga (e até moderna)- o mito arquétipo de Cronos e Urano: os filhos vêm para mutilar os pais. O que vem depois é sempre uma diminuição do que está antes. Por mais manifestos de puras intenções em que se embrulhe, redunda sempre nisso. E lá se vai, pela enésima vez, o mito do "progresso" para as urtigas!...

quinta-feira, junho 09, 2005

A velha história...

«Sendo as coisas como são, o melhor que o professor tem a fazer é limitar-se às ciências naturais e ao campo da sua aplicação prática. Em tudo o que vai para além disso, por exemplo, a literatura, a filosofia, a história, pisa terreno perigoso, sobretudo quando sobre ele recai a suspeita de um "background metafísico".
De suspeitas dessas servem-se entre nós dois tipos de docentes: ou tratantes disfarçados de professores, ou professores que, na mira de uma popularidade fácil, se arvoram em tratantes. Procuram ultrapassar-se, na sua corrida à infâmia, mas não se arrancam os olhos uns aos outros. No entanto, se por acaso se tresmalham do seu círculo espíritos como Vigo, tratam-nos como aves raras: todos se aliam contra elas. É curioso como nessa altura todos se unem, como se ameaçados de extermínio.»

- Ernst Jünger, "Eumeswil"