segunda-feira, março 24, 2008

Anotações sobre um esquisso de Projecto de Lei

«Quanto mais interdições e proibições existem
mais o povo emprobrece;
quanto mais armas afiadas se possuem
mais a desordem grassa;
quanto mais se desenvolve a inteligência produtiva
mais dela resultam estranhos produtos;
quanto mais se multiplicam as leis e as ordenações
maior número há de ladrões e de bandidos.»
- Lao Tse


A propósito da deseducação que infesta o país, sempre galhardo (e ao contrário de mim, que sou mais do género gralhardo), o Rui Albuquerque elabora. Apresenta um conjunto de 12 ideias para, nas suas palavras, "pôr cobro à bandalheira" instalada.
Algumas merecem-me concordância, outras nem tanto (mais por clara exiguidade do que incorrecção). Tecerei alguns apontamentos que me parecem oportunos, mas sem pretender, de todo, causar melindre ou censura à liberdade plena que o redactor tem para a parturição das ideias que muito bem entende. Nada me merece mais reverência do que as fantasias de cada qual.
Dito isto, vamos ao que interessa.

(Entre aspas, devidamente linkados, os pontos do esboço albuquerquiano que me merecem reparo; em seguida, as minhas anotações.)

a) Ponto 4.:
«proibição efectiva de tabaco, álcool, telemóveis, etc. no espaço da escola e nas suas imediações; cumprimento das normas básicas de educação e etiqueta para com os professores;»
O “etc.” é muito vago. Piercings também? Maquilhagens? E speeds, drunfos, ácidos, seringas, armas brancas, armas pretas, armas automáticas, armas semi-automáticas, pitbulls, gps, leitores de CDs, very-lights? Está tudo subentendido no “etc.,”? Duvido. E não me parece próprio do legislador – a não ser em Portugal – semear o texto da lei com “et ceteras”. Lembra alçapões.


b) Ponto 6:
«Obrigação de uso de farda escolar(...)».
De acordo. Mas acha que a farda é suficiente? Não se estará a esquecer do açaime, do cinto de castidade, do silenciador e das algemas para a carteira. Sim, porque ou se algemam as bestas às respectivas carteiras, ou então equipa-se cada carteira com uma jaula individual. E o equipamento do professor, ó Rui, não estará a negligenciá-lo? Capacete de protecção (ou vicking), no mínimo. Reforçado a escudo, clava, máscara anti-gás e lança-granadas lacrimogéneas, nas escolas de maior risco. No fundo, é uma mera questão de segurança e higiene no trabalho: se um trolha numa obra é obrigado a andar de luvas, arnês e capacete, vamos deixar um professor numa arena de aula completamente desprotegido?

c) Ponto 7:
«Criação de um sistema de incentivos para os melhores alunos, com acesso directo ao sistema gratuito de ensino superior e outro tipo de prémios;»
Novamente a imprecisão vaporosa: “outro tipo de prémios”... Como quais, exactamente? Viagens às Caraíbas? Viagens ao Brasil? Encadernações completas da Gina, em papel couchê, com diálogos, anotação e prefácios por Hayeck & Von Mises? Fins de semana na Disneylândia? Play-stations?...

d) Ponto 8:
«Obrigação de actualização científica e pedagógica dos professores em períodos nunca inferiores a sete anos...»
Temo que esteja a esquecer o essencial: a actualização física e psico-técnica dos briosos e destemidos mestres-escola. Refiro-me, naturalmente, às perícias imprescindíveis na Defesa pessoal, na Luta Livre, no Wrestling, no boxe tailandês, na luta anti-motim, na sobrevivência em ambiente hostil, nos métodos de dissuasão, na reacção à emboscada, no Bê-a-bá da trincheira, na Fuga e Evasão, no tiro instintivo, na ordem unida, enfim, em todas essas técnicas essenciais ao docente contemporâneo. Sem, no mínimo, um bom kung-fu a sustentá-la, é mais que evidente que -hoje em dia - a bagagem cientifico-pedagógica pouco adianta.

e) Ponto 9:
“Avaliações científicas e pedagógicas rigorosas dos professores, através de exames regionais/nacionais...”
Não se compreende como é que exames regionais/nacionais – feitos por quem? Por produtos salsichabundos dum sistema difuncional de produção em série de analfabrutos diplomados? (reconhece o contra-senso?) -, colham o mínimo de eficácia ou real aferição. Exames internacionais é que sim. Nas escolas públicas dos Estados Unidos ou de Inglaterra (no Londonistão), por exemplo. Os que regressassem de lá vivos e não neuraplégicos, seriam automaticamente aprovados, reconduzidos e aumentados.

f) Ponto 10:
«Autonomia completa das direcções gerais das escolas, com base em contratos a prazo»
Contratos?! Porque diabo? Com que interesse? Por alma de quem? O melhor é trabalharem à jorna. Ao dia. E direcções da escola, francamente, para quê? O melhor não será mesmo robotizar todo o processo? Se já se fabricam automóveis, mais fácil não será fabricar condutores e serventes dos mesmos?

g) Ponto 11:
«Extinção das funções «pedagógicas» das Associações de Estudantes, que são, em regra, constituídas por analfabetos funcionais dedicados às «jotas e que agem exclusivamente como sindicatos políticos nos órgãos directivos das escolas em que têm assento;»
Mais uma vez, o caro projecto de legislador peca por escassez. Patina em meias-tintas. Extinguir as “funções pedagógicas” das tais associações não basta. O ideal seria extinguir esses tais analfabetos juntamente com elas. Se acabamos com as funções e deixamos intactos os funcionários, o mais que certo é que eles acabarão por engendrar outras funções alternativas onde se incrustarão de novo. Tire-lhes o assento, que eles arranjam logo uma cadeira. Ou um sofá. Ou continuam a bostificar, agora de pé, de joelhos ou de cócoras. Se apenas liquida o hospedeiro, o parasita transfere-se logo para outra vítima. Dele, e só depois sua.


h) E, finalmente, o ponto 12, assaz deslumbrante:
«Extinção do Ministério da Educação, terminando com o modelo único e centralizado das últimas décadas, passando a gestão completa das escolas para os poderes locais (municípios ou, se existissem, regiões).»

Mais outra medida drástica. Mas também, nitidamente, exígua. Por um lado, poderá até haver uma certa justiça nisso: o Ministério extinguiu a educação; como vingança, extinguimos o Ministério. Porém, o que nos inibirá, na continuação lógica da empreitada, de extinguirmos também os outros ministérios todos? Funcionam tão mal quanto o da educação, padecem superlotamentos parasitários tão magnos e sobrepujantes. Portanto, por um idêntico imperativo justiceiro, extinguimo-los a todos, extinguimos o governo completo, o Estado junto com ele e, a seguir, extinguimo-nos uns aos outros, já que na qualidade de eleitores soberanos só fazemos merda atrás de poia. Ou seja, só reincidimos em instalar irresponsáveis, almocreves, melcatrefes e incompetentes nos cargos de responsabilidade da nação, digo, nacinha. Quer dizer, sistemática e obsessivamente, instalamo-los lá; e depois queixamo-nos que eles lá estão - pior: de que eles de não lá saem, ou, se tanto, lá se revezam. Todavia, se somos nós, por imperativo processual impenitente, por vício, hábito e costume já mecanizados, que entronizamos impostores e irresponsáveis nos lemes da coisa pública como podemos depois, mais que lamentar-nos, escandalizar-nos com o agir errático e irresponsável deles? Não são eles mero corolário fatal e repetente do nosso? Não são eles dignos representantes da nossa própria irresponsabilidade militante, da nossa clamorosa incompetência eleitora? Ora, se somos grosseiramente incompetentes para eleger, como não hão-de ser grosseiramente incompetentes os nossos eleitos para governar? Não me vai dizer que o jogo está viciado, que o processo está pervertido, que, cúmulo das ironias, apregoando a causa, afinal quer extinguir-lhe os efeitos?!...
Suponho, aliás, que pretende extinguir o Ministério pela mesma lógica que estipula a extinção das funções pedagógicas das tais Associações viveiros de «jotas": porque o Ministério é um curral de "jotões séniores e outros passarões". É verdade. Toda a gente sabe. Só que entretanto, no auge da brainstorm que varre associações, varre ministérios e, no mínimo, destelha Estados, o caro pré-legislador, acaba a depositar a gestão das escolas nos braços cândidos, benignos e angelicais dos municípios. Belo!, devemos presumir que, já não direi no seu país, mas no seu planeta, os municípios, ao contrário das infames associações jotas e dos ignóbeis Ministérios, não estão infestados do mesmo tipo de escumalha partidária?...
Olhe, ó Rui, louve-se-lhe o esforço, mas esqueça este momento infeliz. Entregue logo aquilo tudo à Mafia. É mais honesto, mais ímpido e, na volta, até funciona.

5 comentários:

zazie disse...

ahahahaha
Já chorei a rir


«Temo que esteja a esquecer o essencial: a actualização física e psico-técnica dos briosos e destemidos mestres-escola. Refiro-me, naturalmente, às perícias imprescindíveis na Defesa pessoal, na Luta Livre, no Wrestling, no boxe tailandês, na luta anti-motim, na sobrevivência em ambiente hostil, nos métodos de dissuasão, na reacção à emboscada, no Bê-a-bá da trincheira, na Fuga e Evasão, »
":O)))))

rui a. disse...

Excelente, caro Dragão. Convenceu-me. Vou desistir da minha nova Mocidade Portuguesa, confesso, um arrojo visionário inexequível, e esforçar-me por convencer o Sócrates a tirar a Lurdes do ministério (que, afinal, me começa a parecer muito útil) para o pôr lá a si. Se me quiser para secretário de Estado vai ver que não se arrepende. Infelizmente, não conheço o homem de lado nenhum. Esperemos que ele nos leia por aqui.

Saudações,

Anónimo disse...

Caro Rui,

o que eu aqui escrevi - (http://dragoscopio.blogspot.com/2006/10/entrevista-de-ab-dito-lecrercq-ao.html) - em relação ao "ministério da cultura" pode ser transposto para a educação. Portanto, a função de secretário de Estado não existiria, dado que eu apenas admitiria secretárias. No entanto, fora do Ministério, em missão itinerante, eu podia nomeá-lo "Plenipotenciário para o Ensino e Angariador Universitário". Que tal lhe parece?

Miguel Drummond de Castro disse...

O pio desejo de querer fazer "uma escola para todos" teria que dar numa escola para todas as situações: ou seja, misto de tudo o que a sociedade tem, feira e ringue de box na aula, julgamento popular, maio 68 traduzido para o calão caceteiro, mini-manifs (há alguma manif que não tenha um componente histérico forte?), consultório de psicodrama gratuito...

Mas o que se está a passar na escola é o espelho do resto do país. Uma branda violência à portuguesa. Será que aí vem os Columbines? Enquanto se ficar por esta pequena bebedeira de estrilhos, fica abalada a alma dos bons costumes, mas há mais de 30 anos que há coisas bem piores nas escolas do que aquele assédio e aquela possessão pelo telemóvel.

Dantes as pessoas era possuídas por demos, ou espiritos, hoje parece que o são por telemóveis.
Por isso, aquela luta foi exemplar: uma professora exorcizava uma aluna. O demo, o telemóvel, berrava pela voz da aluna. Os comentários dos alunos, tipo tropa em Coimbra B, eram vulgares, calões, populistas. tipo "ó gorda sai da frente!" Ou a "velha" vai cair!

Mas não eram alunos, eram duplos dos media, ao mesmo tempo operadores de câmara do Youtube e actores do Youtube, era a imprensa de todos na escola para todos. Os alunos não eram nem são rebeldes (com ou sem causa) de todo, eram puros institucionais. Serviam a informação de massas, traziam um ersatz da Columbine formato brando para a aula.

Entretanto a reacção indignada do país é incompreensível. Os pais destes alunos e a sociedade em geral é que os tornaram assim, e vou usar uma palavra antiga e infelizmente datée: em malcriados. É no que dá a falta de chá: em galinheiro apurado e hipercinético.

Eu, um tipo calmo, com muitos defeitos, mas não o da galinha molhada, abriria de facto um "dojo" em todas as escolas, um para os professores que não sejam Gandhis. outro para os alunos empapados de adrenalina a derrapar.

Já agora aproveitava os desejos de cineasta de massas dos alunos, e dava aulas de realização de filmes por meio de telemóvel. Não se escrevem maravilhas com uma esferográfica? Uma cãmara de telemóvel pode fazer coisas talentosas também.

Entretanto, os professores deviam ser fortes, enérgicos, ter um mínimo de carisma, dar-se ao respeito só pela sua presença. Desenvolver o Hara. Tem que ser "mestres" em tudo, e não por causa de um canudo e umas aulas de pedagogia e muitas reuniões aborrecidas de conselhos escolares moles, tergiversantes, espartilhados pelo modicum democrata.

Para concluir, dojos para alunos e professores e aulas de novo "cinema" via telemóvel. Há que fazer a alquimia das energias, pelo menos onde há conflito é porque ainda há vida. Nas artes marciais não nos opomos frontalmente ao adversário, usamos a sua energia para o derrubar. Ou seja, ajudamo-lo a derrubar-SE. O que é um grande favor que se faz a forças descontroladas, de resto.

Por isso um tsunami de novas regras, vigilantes e polícia nas escolas não servem rigorosamente de nada. Disciplinar pelo medo é uma fantasia de pequeno império disciplinariano. Disciplinar pela sabedoria da energia tem a ver com o kung fu, o aikido, mesmo com as nobres artes militares do Ocidente, a esgrima, o tiro ao arco, o tiro à pistola, a equitação.

Confúcio preconizava na educação o ideal do cavalheiro. Nas artes marciais preconiza-se o espirito de Budo, o do guerreiro sem armas. Na minha maneira de ver a escola democrática preconiza o falso tolerante, um homem mole, e o canalha.

Por isso acho que a escola devia ter um ideal nobre, aristocrático, que fomentasse a etiqueta. o respeito por si mesmo e depois pelos outros. Nada a ver com a água chalada das tolerâncias, que diminuem a fibra.

E claro, o seu post está estupendo, e com o imenso humor que acompanha a lucidez.

Anónimo disse...

«Por isso acho que a escola devia ter um ideal nobre, aristocrático, que fomentasse a etiqueta. o respeito por si mesmo e depois pelos outros. Nada a ver com a água chalada das tolerâncias, que diminuem a fibra.»


Caro Miguel,

já somos, pelo menos, dois.

Não sei se concorda comigo, mas o melhor manual de educação que esta gentinha podia adoptar já existe há mais de vinte séculos e chama-se "Ética a Nicómaco".

Cumprimentos