sábado, novembro 29, 2008

Entre nenhures e lado nenhum

«Já hoje é impossível sustentar que a "crise" do progresso seja um papão inventado pela "burguesia decadente", como eu pensava à data da primeira edição deste livro. Só uma mudança espiritual pode salvar a Humanidade do beco sem saída a que o progresso, a marcha, a está conduzindo. Sabemos que o Progresso é um avanço, uma marcha, mas não sabemos para onde. Estamos como cegos à beira do abismo. E se olharmos à escala do planeta e não à escala do ocidente europeu nem sequer é certo que haja uma avanço.
(...)
Desde que o "Progresso" passou a ser um problema, a História tal como a concebeu Condorcet e documentou Gordon Childe deixou de ter direcção e sentido, e tornou impossível o optimismo que marcava este livro. Hoje, a época é de procura, e muitas hipóteses rejeitadas como metafísicas e idealistas não podem já ser sistematicamente excluídas. Como um homem que estava na estrada e avançava por ela se lembrou de repente de perguntar para onde caminhava e não achou resposta, assim hoje nos achamos como no meio de um deserto de areia sem nenhuma pista de orientação.»

- António José Saraiva, in "prólogo de 1984 ao Dicionário Crítico"

Julgo que tem sido mesmo um dos principais dramas da Humanidade nos últimos séculos: é que as soluções, invariavelmente peregrinas, em vez de vencerem os problemas, juntam-se a eles. O que, tudo somado, resultará provavelmente no problema principal desta gente: o de, no que concerne aos problemas de fundo, confundirem solução com nutrição. Não os combatem: alimentam-nos; quando acabam de atacá-los com antibióticos, descobrem que, afinal, andaram a fortificá-los com vitaminas.
Razão para tamanho tresvario? Uma, pelo menos, brada à evidência: Contentam-se em ler os rótulos. E em tomar, lorpa e suicidariamente, o conteúdo pela embalagem.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Já não há piratas

Se ainda há coisas que me entristecem e enfurecem, esta é uma delas. Transcrevo directamente da folha de couve gratuita onde acabo, merejado em fúria, de lê-la:
"Apelamos aos proprietários do navio para estabelecerem um diálogo honesto com o objectivo de pôr termo a esta crise", afirma Mohamed Said, o porta-voz dos piratas somalis a bordo do petroleiro Sirius.
Piratas?!! Piratas, o caralho! Desde quando piratas apelam a "um diálogo honesto"? São gays, estes filhos da puta? Só podem. Mas estão à espera de quê para massacrarem a tripulação e atearem fogo àquela merda? Diálogo honesto? Mas aquele molusco gastrópode, ainda por cima queimado, julga que está onde? Mas foram treinados por quem, estes flibusteiros delicodoces - pelo Guterres?...
Irra, que caralho de hospício a boiar no espaço é este?! Então agora os piratas dialogam? Daqui a nada argumentam, especulam, titilam conceitos.
Se bem que, por outro lado, tendo em conta o absurdo imperador, a coisa até passa na maior das normalidades. Num tempo em que os banqueiros apelam à caridade pública e os políticos à confiança geral, é mais que natural que os piratas apelem a um diálogo honesto.

PS: Bem, com franqueza: piratas, nunca! Corsários, quando muito. Rapers ou hip-hopers, quase de certeza, e um grande tsunami das Caldas os refunda a todos!!!

Eu já lhes mostro, àqueles oxiúros... Onde é que pus a bengala?... Negociantes de merda!...

quarta-feira, novembro 26, 2008

Vasos comunicantes



Em 1913, o Frankfurter Zeitung, reportava detalhadamente as ideias dum milionário americano (um tal Edward Albert Filene) em digressão "evangelizante" pela Europa. Proclamara, então, o dito cujo, por alturas dum banquete com altas individualidades europeias da época:
«Experimentamos um grande movimento histórico, que culminará na transferância do poder deste mundo moderno para os representantes do capital comercial. Somos as pessoas que carregam a maior responsabilidade no mundo e devemos, por conseguinte, deter, politicamente, as maiores influências.
A democracia está a crescer, o poder das massas está a aumentar. O custo de vida está a subir. O parlamentarismo e os jornais, distribuídos em milhões de cópias cada dia, estão a fornecer às massas populares informação cada vez mais detalhada.
As massas esforçam-se por alcançar maior participação na vida política, com a extensão do sufrágio e a introdução duma taxa sobre rendimentos, etc. O poder em todo o mundo deve transferir-se para as mãos das massas, isto é, para as mãos dos nossos empregados.
Os líderes naturais das massas devem ser os industriais e os comerciantes, que, em cada dia, aprendem mais e mais sobre a comunidade dos seus interesses e dos interesses das massas.
Aumento salarial, melhoria das condições laborais, eis o que atará a nós os nossos trabalhadores, e será o que garantirá o nosso poder sobre todo o mundo. Todo aquele no planeta que dispuser de algum talento virá ter connosco de modo a entrar ao nosso serviço.
Precisamos de organização e mais organização - organização forte e democrática, quer nacional, quer internacional. Devemos unir os comerciantes e industriais de todo o mundo civilizado numa única e poderosa organização. Quaisquer problemas internacionais importantes devem ser discutidos e resolvidos por esta organização.»

Todavia, o mais curioso deste discurso, além da profícua premonição nele esboçada, é que ocasionou o seguinte comentário num jornal da época:

«São estas as ideias de um "capitalista avançado", o sr. Filene. O leitor poderá constatar que tais ideias são uma diminuta, estreita, parcial e egoísta aproximação às ideias do Marxismo, propostas há cerca de sessenta anos atrás. "Nós" somos grandes mestres em censurar e refutar Marx; "nós", os mercadores civilizados e os professores de economia política, refutámo-lo completamente!... Mas, ao mesmo tempo, nós roubamos pequenas partes e peças dele e apresentamo-las ao mundo inteiro como marca do nosso "progressismo".»

Quem era este colunista que denunciava esta absorção parcial do Marxismo pela vanguarda capitalista? Não era um leigo qualquer. Ainda não adivinharam? Eu digo: Lenine. No Rabochaya Pravda, de Julho de 1913.
Há uma grande facilidade de hibridação entre bostas. Ou vasos comunicantes.
A razão porque capitalismo e comunismo são substância do mesmo saco tem uma definição exacta: materialismo. Materialismo puro e duro.
Nota: a data de 1813, para a notícia no Frankurter Zeitung, obviamente, era gralha. De apenas 100 anos.

terça-feira, novembro 25, 2008

Smells like... Napalm.




Estou perfeitamente consciente dos tremendos riscos que corro, mas optei por não emigrar apressadamente. Com o Rato Mickey e o Pateta não se brinca, eu sei; pelo que agora, à cautela, falarei a sério. E se um resquício de coragem suicida não bastasse, um assombroso e piramidal evento que não posso deixar incólume compelir-me-ia. Há assomos epopeicos, leitores, que não podem deixar de ser registados, celebrados e proclamados para memória dos vindouros e, sobretudo, das vindouras.
Este, que aqui me convoca, é o que vou narrar já de seguida.


Pois bem, já todos sabíamos que o (nas palavras eloquentes duma das suas referências intelectuais, uma tal Ermelinda do Padeiro) doutor economista Arroja, code name Rato Mickey, se arvorava, nas horas vagas, em sociólogo de elevadíssima craveira. Mas agora, num acesso desbordante de erudição polissaturada, tomamos conhecimento que, afinal, também é um ás na sexologia. Terá fundo este poço de sabedorreia? Sinceramente, começo a duvidar dessa contingência. Eu e centenas de milhares de deslumbrados como eu. Neste momento já se organizam excursões e romarias das quatro partes do mundo para virem assistir, in louco, ao prodígio. O caso não é para menos. Acaba de inventar, aquele portentoso sabão, um novo método de medição da virilidade masculina em ambiente doméstico. Este espantoso, engenhoso e revolucionário método, que deixará certamente a espumar de inveja o sexólogo residente da blogosfera (um tal Morcão Vaz), consiste, nem mais nem menos, pasmemos ó conterrâneos, na contagem de palavras emitidas na rede, mais especificamente em blogues. Quanto mais palavras assim derramadas, menos espermatozóides despejados por via de fornicadelas à coelho na legítima. Coelho missionário, naturalmente, nada de fantasias ou acrobacias menos devotas. Ou resfolegantes.

Formidável!, ovacionamos nós; se o sexólogo moviflor (zazie dixit) já era um must, este, então, é um mister! Para o distinguirmos do outro, atenderemos à diferença geográfica e mobiliária do palestrante, pelo que o cognominaremos como sexólogo-de-penico (até porque depenica que se farta). Recapitulando, então, a lei fundamental da sexologia depeniqueira: a fornicação matrimonial é inversamente proporcional ao número de palavras escritas no blogue. Escritas, na terminologia arcaica e doravante cancelada; pois na nova terminologia científica, deve dizer-se "ejaculadas". Afinal, ficamos agora a saber, as pessoas não escrevem em blogues: ejaculam palavras. Freud teve soluços na cova.

Detalhe superlativo em toda esta história, que muito me desvanece: o distinto sexólogo-de-penico honra-me com a glória de cobaia principal no seu devassante estudo. Serei assim, segundo ele e as suas apuradas - embora instantâneas e mediúnicas - esporrometrias, um frouxo na cama, porque, lá está, sou um dilúvio no blogue. Se ejaculo a mais na rede é porque ejaculo a menos no leito conjugal, já não falando no sofá, na banheira e no tapete da sala. Caros amigos, é assim, não há como escapar a tão mosaica legislação.

Bem, por um lado, fico banzado com a perspicácia deste vidente-voyeur. Consegue espreitar do Porto até Lisboa, ida e volta, mais depressa que o futuro TGV. O que não nos deve, afinal de contas, surpreender: ele até conseguiu espreitar através dos séculos, descobrindo Hume em actos menos másculos e larilices clandestinas. Por outro lado, competições de garganta nunca foi o meu forte. Certame de garnizé é coisa de galináceos e pior que léria de puta só mesmo goela de puto. Mas quem sou eu para contradizer a ciência, ainda mais quando esguicha dum sexólogo-de-penico? Nem por sombras. Já não seria pecado: seria blasfémia. Seja, então. Cumpra-se a lei. Superpotente no teclado, erecto-disfuncional no resto - eis-me exposto ao vexame do transeunte galaró.

Só que, entretanto, alguns impertinentes claramente necessitados de pimenta na língua, poderão maldosamente conjecturar que, fazendo fé nos últimos dois anos, período em que é possível uma comparação directa, o doutor economista Arroja despejou na blogosfera, e isto a contar por baixo, cerca de dez vezes mais palavras do que eu. Uma verdadeira torrente ao lado dum regato. O que, segundo a sua metodologia imaculada, fará dele, fatalmente, um gay passivo coroado com ramificações de veado exuberante. Outros meliantes, igualmente dados a analogias venenosas, se bem que mais optimistas, poderiam ainda orçamentar que, embora ele, quantitativamente, tivesse ejaculado dez vezes mais, dado que cada palavra dele, qualitativamente, não alcança um décimo das minhas (acrescido que considerável parte delas até tinha sido ejaculada numa língua canina) então, mais coisa menos coisa, resultava num empate técnico, pelo que o ilustre sábio irmanava comigo na incompetência conjugal e na flacidez reiterada da gaita (apenas com a ressalva que enquanto eu, às mulheres, submergiria de poemas e galanteios literários, ele, em contrapartida, cobriria de queixumes, remoques e lamúrias). Uns terceiros energúmenos, da raça dos anteriores, alavancados por esta relação íntima e necessária entre a produção de postais e a improdutividade de bebés, poderiam também insinuar, soturnamente, que o doutor economista Arroja, code name Mickey Mouse, compensava a mediocridade na escrita com a excelência na queca legal. Aqui, na blogopólis, por conseguinte, era um franguinho mimoso e birrento que fazia beicinho quando lhe puxavam merecidamente as orelhas, mas, em compensação, lá na capoeira doméstica, virava galo doido encartado. Enfim, uma catadupa de assombrações e pântanos colaterais que nunca mais acabariam e eu, por piedade e amor à decência, me contenho de elencar além deste promontório.

É meu dever afastar esses rumores e esclarecer todas essas pessoas propensas ao torpe equívoco e à vil suspeita.

Assim, ó pessoas desabridas, se é um facto que o bom doutor economista sociólogo e sexólogo-de-penico Arroja ejaculou dez vezes mais palavras o que eu, isso não é, em bom rigor, comparável. Nem em bom, nem em mau. Não é, pronto. Muito menos com essa ligeireza.

Em primeiro lugar, porque a cobaia sou eu e o cientista é ele. Logo, usufruímos de prerrogativas diferentes e apanágios opostos. Quem chega primeiro, escolhe. Ele chegou primeiro, repimpou-se na cadeira e ficou com a bata e o laboratório. Não há que barafustar.

Em segundo lugar, sabemos de ciência certa e dogma associado que ele é, sem qualquer dúvida ou direito a ela, um jockey fogoso e exemplar (às vezes até maçador) da esposa por via duma prova irrefutável muito simples: porque ele no-lo diz e, assim, automaticamente, com força de sentença, certifica, autentica e atesta. As suas palavras, como toda a gente sabe, possuem dom mágico e dotes demiúrgicos instantâneos. Basta adicionar água e já está.

Finalmente, e nec plus ultra, porque as ejaculações dele, como é público e notório, se distinguem abissalmente das minhas - quer quanto ao órgão emissor, quer quanto à cor, teor e aroma. Na verdade, as dele, ao contrário das minhas, em nada taxam ou diminuem o caudal inerente à fornicação doméstica, por isso não estão sujeitas à lei funesta. A razão é óbvia e simples (como, de resto, qualquer pessoa minimamente imparcial e atenta pode testemunhar com facilidade): enquanto eu ejaculo pelo pénis (desviando-o e exaurindo-o de outras funções naturais), ele,- como é sobremaneira gritante nestes últimos dias, muito poupadinho e agiota das suas sementes -, ejacula pelo rabo. Ou seja, a mim, a escrita, mana-me dos testículos, obriga-me a testosterona; a ele jorra-lhe dos intestinos, compelem-no as fressuras.

Resumindo, aqui assam-no. Mas lá em casa, nem duvidem: desforra-se e assa ele as vrilhas à pobre da costela.






PS: Parto do princípio que o ilustre doutor não é dado a coprofilias - ou melhor, se à tara de as exibir, às fezadas, não junta a bizarria de as ingerir. O que, a ocorrer, temo bem, arruínaria irremediavelmente este meu terceiro e límpido raciocínio.

PUV - Patetas unidos vencerão



MICKEY, AMIGO, O CAGUINCHAS ESTÁ CONTIGO!



Avante camarada, avante

junto a minha à tua voz!

Avante, camarada

o shall brilhará pra todos nós!



Uma gaivota argumentava e voava

filha da puta nunca mais se cansava.

Como ela somos livres, somos livres

somos livres de argumentar!

Somos livres, somos livres

somos livres de ir ao google.


SLB, Glorioso SLB!!

Cultura nunca mais!!
Liberdade! Liberdade de excreção! Abaixo o Dragão!
Pornografia sim, filosofia não!!

E ganda Mickey, é isso mesmo: Dá-lhe com o Consultório Maria pelos chifres abaixo!

(PS: mas as "Ginas" manda-mas a mim, 'tá?...)

segunda-feira, novembro 24, 2008

Dragão Bafo-de-Onça

Encontrei o Labaredas estranhamente refundido na mesa do fundo da tasca. À rasca, o gajo. O copo de bagaço duplo até lhe termia nas patas. E olhava em volta todo nervoso.
-"Então, o que foi, ó Dragão? Tremes que nem varas!..." - Atirei-lhe logo às ventas.
Diz-me a besta, naquela lábia cavernosa, entre o Luís Armaestrondo e o Frango Sinatra:
-"'Tou fodido, ó Ildefonso. 'Tou fodido! desta vez é que a arranjei bonita. Nem sei se faça já o testamento..."
-"Quê, comeste a legítima dalgum bófia, daqueles da Judite ou dalgum tele juiz ?!..." - Orçamentei logo eu, conhecedor e perito na peça.
-"É pior que isso.." - Tornou ele. - "Pá, a cena desta vez é mesmo fúnebre: tenho o Rato Mickey e o Pateta à perna!..."
- "Ah-Ah! - Não me contive de gritar de alegria. - Gramei! É bem feita! Até que enfim, alguém para te meter nos eixos! Julgavas que o teu reino ia durar para sempre, não era?! Agora é que vais ver como elas te mordem! Com o Rato Mickey e o Pateta ninguém brinca!..."
- "Foda-se!, rico amigo me saíste. Animador como uma praga de chatos nos colhões. Mas o pior é que tens razão, lampião do caralho... Até 'tou a pensar emigrar." - Rosnou de lá, o tirano opressor, em queda, abençoadinha, todo desanimado. E c'uma destas cagufas que só visto. Aproveitei para lançar a fateixa:
- "Fico com a Svetlana, a Irina, a Natália e o blogue! Não te preocupes, eu tomo bem conta do material enquanto andas fugido na clandestinidade."
- "Quero lá saber! - Geme, para meu grande espanto, o gajo. - O blogue... Maldito blogue! Eu nunca me devia ter metido nisto. Razão tinha a senhora Dragão, que eu não devia rebentar com trombas que desconhecesse nem visse à frente. Isto de dar enxertos à distância não é natural!... O Rato Mickey e o Pateta... 'Tou fodido. Se escapar vivo desta, vou de joelhos a Fátima!..."


E foi assim, ó bacanos e garinas. O javardolas foi fazer as malas e eu vim aqui dar a boa nova: é o 25 de Abril da blogosfera! Viva o Pateta e o Rato Mickey! Viva a Ucrânia libertada!... Viva o Eusébio! Viva o Benfica!!...

Tabu



Uma das acusações que pendem sobre Oliveira e Costa, por obra e graça no BPN, é de, segundo li, "branqueamento de capitais". O BPN telecomandava (ou coisa que o valha) um banco esquisito em Cabo Verde. Curiosamente, essa esplêndida aventura financeira coincidiu com o período em que aquele arquipélago se tornou a principal placa giratória do tráfico de cocaína para a Europa. Actividade nebulosa que entretanto ali prossegue, mas cujo protagonismo e primazia se transferiram para uma outra antiga colónia nossa: a Guiné-Bissau.

Depois da descolonização criminosa tem sido o deboche rapinante: uma espécie de joint-venture cleptogógica entre descolonizados e descolonizadores. Entre nós, tem-se assistido (basta olhar para o parque domo e auto) a um proliferar de fast-fortunas verdadeiramente obscenas e típicas dum país de Terceiro Mundo. A podridão que espreita debaixo deste tapete, suspeito bem, mais que inefável, é tabu: nela assentam, tanto quanto os alicerces, as colunas do regime. Um regime que, diga-se em abono da verdade, é inderrubável. Impossível derrubar algo que rasteja.


domingo, novembro 23, 2008

Pelourinho

Um leitor, a quem desde já agradeço a chamada de atenção, alertou-me para uma questão ortográfica: "bolsar" (no postal "Aquecimento"). Inquiria se eu não queria dizer "bolçar". Está correctíssimo o leitor, venham de lá merecidas reguadas. Na verdade, o sentido pretendido era "bolçar", no sentido de "golfar", e não "bolsar", no sentido de "enfunar". Eu podia agora por-me com frescuras a dizer que queria dizer "enfunar", mas era mentira.
Alhures, também vi levantada a questão do verbo haver. Eu tinha usado "haverão", onde deveria ter escrito "haverá" (sujeito subentendido "ele haverá" dias). Mais uma asneirola, neste caso gramatical, que, embora mais fruto da pressa que do desconhecimento, merece duplas pauladas nos lombos.
Aqui sim, pode falar-se em ofensa, e ofensa merecedora de reparo e exposição em pelourinho: ofensa à Língua Portuguesa.

Ou em forma de fábula...

Era uma vez um cordeiro que gostava de vestir pele de lobo e arvorar um pequeno pau a imitar cajado. Punha-se então, à beira dum regato, com grande empáfia, a proclamar a sua superioridade genética e intelectual em relação à estúpida carneirada. "Essa ralé! Essa populaça!", proclamava, "essa choldra precisa duma elite devidamente vestida, superiormente equipada, adornada por um preclaro domínio das leis da selva, dos imperiais princípios da cadeia alimentar, dos quesitos, protocolos e hierarquias do pedigree social, da epistemania gaiteira e do suave proxenetismo da verdade, em suma, um escol recheado e postiço de gado como eu, que a pilote, tosquie e administre na sua estúpida e tasquinheira existência!..."
Mais um dia se esfumava no horizonte e mais um dia ele dispendera nessas perlendas ufanas. Compenetrado em tais afazeres, nem se apercebeu duma sombra negra e inquietante, ampliada pela luz crepuscular, que foi crescendo atrás dele. Um rosnar cavo e sinistro de fera escutou-se então:
«Ouvi dizer que de mim muito bem tens dito e por mim generosamente tens falado...»
Antes de se virar, o cordeiro ainda jactou qualquer coisa irrelevante. Depois, encarando a dura realidade, quis despir apressadamente a pele, pedindo imensa desculpa.
«Venho reclamar o que me pertence. - Riu-se o lobo, sem piedade. -Mas essa pele não é minha, para nada me interessa - furtaste-a nalguma sepultura, desgraçado?!... É o que está debaixo dela que, por lei (a lei que tanto adoras), me pertence e que vou agora cobrar".
E a treva, caindo, serviu de pano ao teatro da crueldade.



Moral da história: se não queres experimentar o lobo, não lhe vistas a pele.

sábado, novembro 22, 2008

A chave do puzzle

Quando somos insensíveis à desgraça dos outros isso constitui desrespeito, mais que para com a dor do próximo, para com a própria Desgraça campeã. Desprezando-a na casa alheia, atraimo-la à nossa própria casa. Mais dia menos dia, sob o máscara que lhe aprouver, virá bater à nossa porta. Então, diante do rosto inexorável da fria e cósmica crueldade, aprenderemos, a duras penas, o dever da compaixão. E de como à fortuna, sempre efémera, cíclica e fatalmente passageira, convém sobretudo o tributo do pudor.
Teu, verdadeiramente, nada é e nada tens.
A riqueza não é filha da Graça de Deus: é fruto da Desgraça do Mundo. A dos outros é só o espelho retardado da tua.

Grey house

"Obama's White House is beginning to look a lot like Clinton's".

sexta-feira, novembro 21, 2008

Aquecimento

Caro Pedro Arroja,

se eu fosse de me espantar facilmente, estava agora perplexo, senão mesmo estarrecido; se eu fosse atreito a crenças, estava agora a persignar-me de alto a baixo; e se fosse dado a juízos psíquicos apressados, estaria agora a recomendar-lhe sedativos e uma boa -não direi camisa, mas - luva-de-forças, a ver se atenua essas convulsões e espoldrinhamentos no teclado.

No essencial, é público e está à vista de quem saiba ler, agradeci-lhe e desejei-lhe (sem qualquer ironia, aliás) Boas Festas. Vossência, todavia, depois de rir, preferiu atirar-se às minudências e pentelhices. Presumo que terá contraído essa tendência com os anglo-saxofónicos, porque entre nós, lusotoinos, isso é extremamente raro. Daí a lançar-se a jacto pela estultosfera a fora e - alcançada a velocidade de cruzeiro, por volta dos 5.000 pés-de-salsa- a ligar o peixeiro-automático, foi um ápice. Menos que um ápice: uma fracção de centésimo de segundo.
Motivo para o tremendo escarcéu: foram-lhe ao acólito. Coisa gravíssima, ao que vislumbro. Hirsutante, descomposto, em suma, ridículo, rompe em clamores às autoridades da higiene pública, à futura ASAE dos blogues, que venha, que venha depressa, urgentemente, condimentar línguas, condomizar penas e ultrapasteurizar léxicos. Que é um despautério, uma pouca vergonha, um crime de lesa-hipocrisia, a mais imunda das tradicinhas! Socorre-se até da sombra proba e austera do Presidente do Conselho para servir de tenda de circo a tão descabelados contorcionismos e acrobacias. Não tarda, temo bem, empoleira-se na Santa Madre Igreja e serve-se dela para catapulta dos seus remoques e azedumes descabidos. Vício de instrumentalização dá nisso.

Mas vamos ao busílis. Considera então que lhe ofendi o anão. Acha mesmo? Sério? Urinei-lhe no duende de jardim, o seu rico duende de jardim, foi? Não tive essa intenção, afianço-lhe. Referi-o apenas tal qual se me exibe, enquanto fenómeno. A coisa-em-si (isto é, nele) desconheço-a olimpicamente. O problema, ó estimado Arroja, é que vossência não sabe a diferença básica entre númeno, fenómeno e coisa-em-si, do que resulta essa lamentável mistificação onde, com certa reincidência, se atasca; essas ideias-movediças em que, calamitosamente, se engalfinha; esses amontoados de nuvens que teima, ixionicamente, em tomar por Juno. Mas o pior é que não apenas não sabe: não quer saber e tem raiva de quem sabe. E assim permite que essa Kantofobia frenética e compulsiva o transporte às mais deploráveis figuras e encenações. Como esse drama de caca e alguidar que está agora a fazer acerca de coisa nenhuma e em redor dum pentelho raquítico, por alma dum piolho púbico, vulgo chato, que transporta à boleia na peúga.
Por outro lado, note bem, limitei-me a derivar consequências. Explico: eu, ocasionalmente, quando me mendigam muito, destruo. Tenho requintes de malvadez no acto? Pois tenho. Ou, pelo menos, faço por ter. Depende do capricho da musa de serviço. Isto, se não sabe fica a saber, funciona a crédito. Uma coisa, porém, é certa: um gajo depois de ter sido devastado por mim pode quase ir apresentar-se numa galeria de arte. Ou às portas do céu, por ablução expresso de todos os pecados e cristofacção à sec. Deviam, pois, agradecer-me, desejar-me as maiores felicidades, enviar-me donativos e subsídios (bom uso lhes saberia dar: tantas conas e tão pouco tempo, meu Deus!) Ao contrário; em vez disso, desse módico de gratidão e justiça, melindram-se, escamam-se, descabelam-se, espumejam que nem lesmas aflitas ou caracoletas stressadas... trepam às paredes, muros e sebes vivas - e até, pasme-se, aos arames (pelos vistos, farpados, tal a chinfrineira acompanhante). Como conseguem espumar-se e trepar ao mesmo tempo é prodígio que nunca deixará de me encantar. Mas, dizia eu, e dizia muito bem, queira perdoar o extravio, ocasionalmente escavaco, escavaco muito bem escavacadinho, como convém e manda a ordem. É uma coisa que tem que ser feita com um certo espaçamento, com criteriosa parcimónia, senão, como tudo na vida, enjoa. A fome, ensina a experiência, é o melhor esmoril do paladar. No entanto, por ciganice, porque lhe convinha ou porque lhe apeteceu, o digníssimo Arroja, vossência em pessoa, benza-o Deus, entendeu converter o ocasional em eterno, o casual em permanente. Ou seja, deu em proclamar aos quatro ventos e brisas associadas que eu não faço mais nada no blogue senão destruir e gozar; que nada mais me ocupa na blogovida senão mandar abaixo o idealhame alheio, e fazer em fanicos argumentários imaculados de peregrinos incautos da Santa Verdade de Assobio. Isto é, para si, às três pancadas e colado a cuspo, o píncaro é a montanha; a cereja no topo do bolo é o bolo; o engodo é o caçador. Achei piada à finura. Como sou duma bonomia já quase lendária, não me agastei minimamente. Porém, não pude conter-me de murmurar para com os meus botões: "olha que método interessante! Vamos lá experimentá-lo." Reparei então no seu símio amestrado, o Quim Panzé (panzé porque todo ele é zézinho) e decidi inocular nele a injecção experimental (compreenderá que não ia agora experimentar em si, assim de chofre, tenho-lhe consideração; demais, a ciência tem que cultivar princípios, temos que respeitar uma certa ética: primeiro experimentamos nos macacos, pois claro). Ora, esse seu bugio é conhecido por bolçar guinchos e imbecilidades com uma certa regularidade. Bem, mas não é sempre imbecil, calculo. Lá terá decerto alguns períodos do dia, em que, presumo, esteja calado e quieto, sobretudo quando dorme. Todavia, graças à prodigalidade do seu método arrojado, eu pude calmamente extrapolar que ele era absoluta e ininterruptamente imbecil, que gastava dia e noite nisso; e apresentei, de enfiada e supetão, o resultado conveniente à comunidade científica, digo blogosférica. Vossência, aí, como foi público e notório, não gostou das consequências. Devia ter pensado nisso quando andava, tão alegremente, a semear as causas. Aplicado em mim era ciência, sociologia puro malte, ideurgia de alto nível, mas aplicado ao seu macaquinho é insulto? Isto tem um nome, aliás, dois: fariseísmo, tartufice.

Contudo, para lhe ser simpático, admitamos que me excedi. Que não respeitei, entre outras flausinices de estalo, a moda da época. Defronte do aleijadinho mental não devia, pois, ter exclamado imbecil, mas cidadão portador de imbecilidade. Portador e exportador, tudo o indica. Pois bem, logo à partida, a má fé está a ser sua, não há como negá-lo. Inventa e distorce que "imbecil" é um insulto. Que, ao taxá-lo de tal, alimentava eu a vil intenção de diminui-lo. Quando, na verdade, era exactamente o contrário: mais uma vez, traído pela minha boa índole mancomunada com o meu espírito benemérito, eu estava, isso sim, a promovê-lo. À realidade ostensiva do mentecapto tentava eu apenas atenuar e suavizar com os ouropéis e garridices da imbecilidade, tão simples (e edificante) quanto isso. E desde quando imbecil constitui injúria, nestes mimosos tempos que correm, hein? Vá, diga-me!... Imbecil é, actual e mundialmente, a classe dominante, a raça eleita, a tribo imperatriz, enfim, o Alfa do Admirável Mundo Moderno. Mais: o Topo da evolução! Os imbecis, esses privilegiados pimpões, assistimo-lo a toda a hora, açambarcam já nóbeis de tudo e mais alguma coisa, ministérios de empreitada, presidências de toda a espécie, generalatos, parlamentos, pódiuns, comendas, fundações, cátedras, dómus municipais, administrações, tabelas, televisões, eu sei lá, uma cornucópia! Direi mais, a imbecilidade, hoje, é quase condição sine qua non de sucesso, de carreira triunfal, de pança e papada - e não apenas na função pública! (como a actual crise financeira global, aliás, bem demonstra.) Chamar imbecil, por conseguinte, ao seu Quimpanzé, longe de menoscabá-lo ou enxovalhá-lo é predestiná-lo às maiores proezas e cometimentos, é augurar-lhe o melhor dos mundos, um futuro risonho, em suma, o paraíso na Terra. No mínimo, vai a deputado. E a presidente de Câmara só se ele não quiser. Talvez prefira um clube de futebol, quem sabe. Como vê, (e se teimar em não ver então é que corre o risco de eu me zangar mesmo consigo), diminui-lo? Qual quê! nem por sombras: é, isso sim, turboprojectá-lo à mais altíssima e finíssima roda! Fi-lo por maldade, por vingança? De maneira nenhuma. Fi-lo por inveja, nem mais. O jeito que me dava ser um calhau com olhos!...O repouso e a maravilha ambulatória, a ascensão meteórica, a glória em vida que não seria!...

E se, à luz da realidade, não constitui insulto, sequer vitupério, muito menos se tratou dum acto gratuito. Pelo contrário, foi fruto e longa maturação, de aturado estudo, de leitura atenta. Segui com a maior e mais científica das curiosidades, durante um largo período, as momices do seu buliçoso mono. Verifiquei, assim, empírica e exaustivamente, que era destituído, como diagnostica Aristóteles (De Anima, Livro III) de intelecto activo. Mas possui algumas capacidades rudimentares de aprendizagem. Dou-lhe um exemplo: Em 21 de Fevereiro deste ano, bolçava ele, o seguinte: "Não somos uma tábua rasa (conceito aristotélico)". Não obstante, dez meses depois, em Novembro, ele já tinha adquirido outra ideia, a saber: "Nenhum ser humano é uma tábua rasa em que tudo se pode escrever, como supunha o meu colega John Locke". Quer dizer, em dez meses, ele conseguiu descobrir que afinal fora o colega dele e não Aristóteles o autor da treta. O mais interessante é que nem se dignou corrigir a asneira: demonstra, como é bom de ver, uma capacidade rudimentar de progresso, ensombrada por uma ausência completa de auto-crítica.

Agora, vossência, caro Arroja, deseja assistir a insulto gratuito, alarvajolas e duma trolhice absolutamente pacóvia? Repare novamente no seu macaquinho. Ainda ontem, garatujava ele: "Até hoje nunca tinha lido o Dragoscópio e não vou voltar a ler". Não obstante, nunca me tendo lido nem observado, (e eu acredito e agradeço, pois calculo, comiserado, a canseira mental que não lhe acarrateria, antes de desistir, furioso) já deduziu instantaneamente uma série de deficiências profundas, sobretudo estético-literárias, a meu respeito. O seu macaco, ó Arroja, é duma analfabrutice verdadeiramente atroz, mas dá opiniões. Desova ao desbarato. É peremptório da silva. Confunde arrotos com ideias. Mas como é que ele sabe, pesca e garimpa tantas novidades supimpas, tantas pescadinhas frescas do pensamento ? Vai ao Google, ora aí está. Lê na ciberbola de cristal, o orangotangas. Foi ao Google, confessou ele. Mas nem precisava, já todos tinham percebido que ele vai ao Google. E se calhar o Google vai-lhe a ele. Doi-lhe de lhe terem ido ao acólito, ó caro professor? Não olhe para mim, olhe pró Google. Foi o Google que lhe emprenhou a criatura e a faz estar de tanta esperança e dar à luz de tão incontinente jorrão.
E macaco, papagaio, eco ou boneco
está predestinado ao mais veloz sucesso.
Agora que, além de imbecil, está marreco:
fertilizado pelas orelhas, emprenhou pelo sesso.*

Acusa-me, ainda assim, de lhe ter ofendido o Quim? Criminoso, vil e pusilânime, há-de convir, era se eu tivesse ofendido a verdade.




(E amanhã leva a segunda dose da vacina anti-rábica , que agora vou dormir, tive um dia lixado, e isto até sabe melhor com intervalo, como no cinema. A pena que eu tenho de andar com tão pouco tempo para estes quiosques!...).

* - Com vénia pela glosa ao grande Bocage.

quarta-feira, novembro 19, 2008

O Novo blogue do Caguinchas

Cansado da censura feroz e impiedosa a que se vê sujeito neste blogue (é verdade, eu censuro-o com uma certa selvajaria, aliás, tanta quanto posso e sou capaz), o Engenheiro Ildefonso Caguinchas está a pensar abrir casa própria. É só o tempo de aprender a ler e a escrever. Isso e a conseguir abrir outras páginas na net que não as eróticas, pornográficas e obscenas (entenda-se o site do SLB).
Neste momento, até já pondera e oscila entre dois títulos deveras sugestivos para a inquietante página:
- "Homem-ao-bar" ou "Diário de Montanelas".
Página, que é como quem diz... Na verdade, confidenciou-me ainda há pouco, relampejando naqueles olhares alucinados característicos, o nosso Engenheiro Ildefonso arquitecta mesmo, seriamente, não há quje duvidá-lo, empreender um up-grade no conceito de página: para vágina. Desejo-lhe as maiores felicidades e sigo-lhe a epopeia com atenção.
Entretanto, quem quiser ajudá-no na escolha, só tem que enviar-lhe a preciosa opinião embrulhada no não menos valioso voto. Telepaticamente, claro está. Julgo mesmo que será a única forma funcional de democracia, esta que acabo neste exacto momento de inventar: a democracia telestésica, ou seja, por sufrágio -mais que universal - telepático.
E depois ainda me acusam de não ter ideias construtivas!...

terça-feira, novembro 18, 2008

Dragão, o destruidor de mundinhos

Não podem ver um dragão sossegado que não queiram logo vir desinquietá-lo. O que, convenhamos, feito sem um bom fato de amianto, pode descambar numa experiência deveras traumatizante. É muito ténue, vista aqui do alto destas escamas, a distância entre o homem e o torresmo. Ligeiramente (nestes tempos actuais) maior que a que medeia entre o homem e o insecto, mas não muito.

Vem isto a propósito da mais recente ideia peregrina do Pedro Arroja. Lembrou-se, o distinto académico, de me tecer um avantajado louvor. Nem mais nem menos: elege-me a epítome da destruição e "gozação" (ele quer significar gozo, mas às vezes falta-lhe o português) blogosféricas em Portugal. Nos seus doutos e eméritos versos: " Os posts do Dragão revelam talento, maturidade, graciosidade, imaginação e uma excelente formação filosófica e clássica. Mas quando o leitor se pergunta com que objectivo todo este capital intelectual é utilizado, a resposta é quase invariavelmente um de dois, às vezes ambos ao mesmo tempo: gozação e destruição."

Bem, não é todos os dias que me tecem um estupendo encómio destes. No essencial, cumpre-me agradecer a amabilidade apologética e enviar daqui os antecipados (tanto quanto sinceros) votos de Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Algumas minudências acessórias e outras pubofelpúcias circundantes, contudo, requerem umas brevíssimas e complementares notas de rodapé. Ou mão, como estiver mais a jeito.
Começo pela primeira. Provavelmente o Pedro Arroja tem uns certos e compreensíveis cíumes do João Miranda. Isto, porque, como é público e notório, a chamada posta à Mirandesa é-me irresistível. Mais que ao tempero, agora que penso nisso, creio que deve creditar-se à putreza imaculada dos ingredientes. O Pedro Arroja bem se esforça (desse acabado imbecil que lhe serve de sacristinho nos dias pares e side-conas nos ímpares e que responde pelo inenarrável epíteto de Jaquim, então, nem comento), mas não consegue. Às vezes, confesso, até me aproximo, pondero o snack, aprecio os lombos, avalio a tenrinhidade da posta, mas retiro-me invariavelmente entediado. Não duvido, em modo ou tempo algum, da guloseima garantida que o fedor abona e credita; muito menos desprezo os enfeites e rodelinhas sempre a preceito. A realidade, porém, é que nunca está suficientemente vácua, manhosa, sofista, pueril e tratante. Não é que o caro Pedro não se esfalfe e não se note esse -às vezes, titânico – esmero suado, mas deixa sempre umas costuras de senso à vista, alguns pedacinhos de verdade na mistura; uns grumos de decência aqui e ali; um resquício de portuguesismo que, apesar de serôdio, promete desde logo estragos e sobressaltos na digestão. Ora, o senso, a decência, a verdade et al, por minúsculos que sejam, torpedeiam (quando não envenenam) qualquer culinária. Arruínam qualquer sopa, salada, guisado ou simples petisco, tanto quanto desencorajam a mandíbula mais exigente e audaz. Com as postas à Jota Miranda, Deus o abençoe e no-lo guarde por muitos e bons anos, não temos problemas desses. Aquilo mana-lhe naturalmente; a trampolinice está-lhe na massa do sangue; respira falácia como qualquer humano não anfíbio respira oxigénio; é duma protérvia fanática e inefável, quase a raiar o angélico. Quase, que digo eu, a trespassá-lo mesmo, a crivá-lo a eito de ávidas e ferozes dentadas! E depois, não toscando coisa que se veja de praticamente nada, consegue debitar invariáveis e sumptuosas enormidades sobre praticamente tudo. Não é apenas, no meu imodesto entender, o maior de todos os blogueres ao cimo da Terra: é o bloguer quase perfeito. Porque a perfeição, essa, como é evidente, está reservada para a ovelha ronhosa cá da família: o meu primo do Apocalipse, pois. Portanto, estimado Arroja, aceite um conselho amigo: não perca tempo com certas emulações impossíveis. Não se exaura em metas inalcançáveis, em desidérios e refrigérios ultraviçosos e semprerectus. Não basta andar sempre a pedi-las: há também, e sobretudo, que merecê-las. Se o peditório bastasse era a falência da Santa Casa.
Avancemos para o segundo ponto. Ao passear a vista pelo seu laudatório, lembrou-me quase instantaneamente aquela entrevista que fizeram um belo dia ao Anthony Burgess, o ditoso e preclaro autor da “Clockwork Orange”. Questão manhosa, mas capital, do entrevistador: “Porque é que os seus livros versam obsessivamente sobre um mundo de sexo e violência?” Resposta do Burgess: “Mas há mais alguma coisa no mundo?!...” (Já não me recordo das palavras exactas, mas o sentido era este)...
Da mesma forma, ao lê-lo, ó caro Arroja, proclamando que gasto todo a minha vasta e cintilante constelação de virtudes, qualidades e talentos (que clara e galopantemente exagera) num exercício metódico de zombaria e escalavrura, também apetece responder: “E acha que todo este efervescente asnódromo de egos, superegos, pategos e labregos que é a blogosfera merece mais?” Ou então, pior um pouco, vai-nos dizer que milita naquela horda de gente vociferina (ora hostiofágica, ora hostiofóbica) que confunde piamente um blogue com um púlpito ou uma varanda napoleónica?...
Terceiro e não o amasso mais. Acordemos que lhe revelo a chave do mistério, a razão da odisseia. Que, afinal, até é bem simples. Tome nota: tipos com talento, maturidade, graça, imaginação e -nem sequer direi excelente, mas mediana - formação filosófica e clássica, como eu, entregam-se alegremente à destruição e ao desfrute das nano-ideias e pseudo-argumentúcias de energúmenos sem talento, nem maturidade, nem graça, nem imaginação e uma formação filosófica e clássica abaixo de zero. Chama-se a isto justiça poética. Um avatar hodierno da Nemesis ou Ate gregas.
Nemesis, já agora, deixe que lhe diga, poderia ser traduzida (entre outras) por “retribuição”. Ora, ao contrário dos tartufos esquerdóides que bramam a todas as horas por mais distribuição e contribuição, eu não creio que os problemas deste mundo residam num défice crónico de distribuição, muito menos contribuição ou coisa que o valha, mas numa aguda e escandalosa falta de retribuição. Eu sei que estou a ver a coisa a curto-prazo. É um erro típico dos humanos. Mas que quer, apesar de dragão, sou um impaciente. Deixo-me contagiar facilmente pelos indígenas.

Rematando: digamos que assim como o Cireneu ajudou o Cristo a arcar com o madeiro no passo difícil, eu vou adiantando serviço, auxiliando O Lá-de-Cima a dar com idêntica matéria vegetal devidamente aparelhada nos cornos dos sacripantas cá de baixo.

Não possuo, todavia, e como é evidente, os dotes artísticos e justiceiros do meu antepassado Vlad, mas disso, bem amarga, diária e contristadamente, me penitencio.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Babel

Entendam isto como prémio de consolação aos irredutíveis leitores desta casa.


«Como em Babel, a Torre pressupõe a Escada, cada novo degrau representa o abandono do segundo. A viagem, por seu turno, é migratória e unilateral: trata-se duma ida para o céu. À partida está fora de questão o regresso, ou sequer a circulação. Nenhuma dúvida é tolerável, nem nenhuma hesitação. Cada novo degrau reflecte portanto uma conquista, um triunfo, uma aproximação ao céu, à divindade, e, isocronicamente, também um abandono, um desprezo, um afastamento do solo, tanto quanto do degrau anterior. Babel metaforiza a Evolução. Nesta é suposto que não só o salto se mascare de voo, como este se consume na ascensão. Arrebatado com cada novo lanço, o homem não sabe exactamente a que altitude encontrará a meta, nem a distância a que fica; sabe apenas que é para cima, que o tempo escasseia e a vida é breve, pelo que cada patamar que atinge, ou melhor, onde se imagina, imagina-o mais próximo do céu e cada vez mais longe da partida. Nesse delírio de se fantasiar cada vez mais próximo do que o obceca esquece completamente aquilo que vai deixando para trás. Cada degrau serve-lhe apenas como trampolim para o degrau seguinte. Uma vez usado, ultrapassado, torna-se irrelevante, descartável, vaga recordação indiferenciável. É como se só existisse consoante o pé humano o pisa e a mão humana o constrói. A mão à frente, o pé logo a seguir.
Por outro lado, o delírio instaura a sofreguidão, a ânsia, o frenesim desvairado: a cada passo, a evolução acelera, exorbita, disparata. Já não é só uma evolução, é uma revolução permanente. Cada novo patamar alcançado, reflecte já um êxtase absoluto: imagina-se o céu. Auto-proclama-se. Inflama-se. Autofunda-se. O Céu é já uma sucessão de céus, andares sobrepostos numa torre, e a escadaria virou elevador a jacto. Doravante, onde está o homem, donde firma novo salto, nesse presente sempre a ameaçar um rejuvenescimento mais acima, uma promoção, aí, é onde está o Céu. Afinal, ao contrário do que Jesus insinuava, o reino não está dentro do coração humano, está debaixo dos seus pés. E na ponta dos seus dedos. Na terminologia Blobglob, claro está, não se diz o “Céu”, mas simplesmente “o melhor dos mundos possíveis”.
De todo este processo trampolineiro –quer dizer, de usar cada momento como trampolim do seguinte-, fica o repúdio pelos trampolins entretanto tornados obsoletos pelo trampolim actual, da moda. Assim, como, na escalada, decorre um processo mais ou menos acrobata de construção duma actualidade celestial, também, na proporção e declive inversos, acontece um processo de obsolescência das etapas que vão ficando para trás e, sobremaneira, do ponto de partida. Um pouco à semelhança do fogo que, conforme alastra, vai acendendo luz e chama à sua frente e deixando, no mesmo acto, cinzas e escombros atrás de si.
Diante dum presente cada vez mais auto-suficiente, arrogante e hermético, já pouca ou nenhuma falta faz o passado. Pelo contrário, só atrapalha. O tempo agora não é de enleios nem vacilações. Mesmo que o sarilho seja de tal ordem, e o erro crónico de tal grau, que as nuvens sombrias da catástrofe iminente espreitem a toda a hora do horizonte, a haver fuga ela só pode ser em frente, a todo o vapor, alguém se há-de salvar. Mesmo que se quisesse voltar atrás já não seria possível. Já se chegou demasiadamente longe. Perderam-se os sinais do próprio rasto. Não se faz a mínima ideia por onde fica o caminho de retorno, se é que ele existe. Por outro lado, voltar agora atrás só atestaria o fracasso absoluto de toda a civilização tal qual a entendemos, ou melhor, nos auto-impingimos. Antes a morte! Antes um desastre total!, que esse reconhecimento da vaidade e do vazio de todo um esforço e trabalho milenares. Seria matar os mortos. Seria dizer que nunca viveram. Se tudo se passou como se passou, foi porque não havia alternativa. Fez-se o melhor que se podia. Nunca foi um mundo perfeito, mas foi sempre o melhor dos mundos possíveis. Especialmente agora, súmula actualizada e revigorada de todos os progressos e conquistas do passado. Mais: é precisamente o presente que justifica e redime do passado. Porque se trata duma escada ascensional, o último degrau é sempre superior ao anterior e infinitamente mais meritório que os iniciais. Ao alcançar cada novo patamar, o homem não só consegue uma proeza atlética e arquitectónica, como se liberta do patamar anterior e de toda a penúria e infâmia decorrentes até aí. É assim que, na relação do peregrino evolutivo com o seu passado, o patamar do presente, mais que uma continuação, é um colocá-lo a salvo. Não admira, portanto, que cada geração se barrique e entrincheire na sua época, no sua actualidade, na sua moda. Quanto mais radical a separação, a estanquicidade, o isolamento desta ao passado, menor o risco de recaída ou contaminação. Trata-se aqui, muito retorcidamente, dum homem a tentar vencer o seu próprio mal pela aceleração. Com arranques e guinadas bruscas, fugas de cometa, tenta que ele desequilibre, resvale e, apanhado de surpresa, traído pelo seu peso e inércia, fique para trás. O pior é que em cada novo patamar, ofegante, exasperado, descobre que ele ainda está consigo, sorridente, impante, pronto para nova corrida. E também maior, mais pesado e opressivo. Instintivamente, como o cão com a cauda a arder, espécie de cometa desvairado, o homem corre para diante, rebola-se, perfaz círculos. E se o mal não desanima, em contrapartida, o homem esboroa-se, confunde-se, dissolve-se.
A Evolução, como em Babel, é uma subida sem opção de retrocesso.
Mas se o mal não se apeia, nem resvala, a não ser na imaginação tecnofântica, há algo que resvala e se vai perdendo nos solavancos e arremetidas loucas da correria. Enquanto o mal não se torna minimamente obsoleto – canta-se o prodígio da medicina e esquece-se que está muito aquém do desenvolvimento das doenças, cada vez mais sofisticadas, sinistras e letais; glorifica-se a tecnologia de ponta e finge não reparar-se na miséria e escravidão da maior parte da manada humana; apregoa-se que a ciência libertaria e afinal só contribui para a eficácia de tiranias cada vez mais desumanas, ignóbeis e perigosas porque camufladas; a fome vai de vento em popa; a guerra é indispensável às economias; comercializam-se drogas a nível planetário e arruinam-se irremediavelmente jovens aos milhões; a violência intra-específica banaliza-se; o incitamento martelante ao desgoverno, à incontinência, ao frenesim é permanente e amplificado; a alimentação, o ar, a água são metodicamente envenenados em nome do lucro e da indústria; os políticos assemelham-se a bandos de parasitas maléficos, peritos no desgoverno, na corrupção e na subversão de todos os valores, expectativas e ideais da humanidade; os regimes, sob a pele de cordeiro das democracias, escondem as garras e as mandíbulas afiadas do despotismo ao serviço de seitas cleptocratas e adeptas furiosas do vampirismo hereditário e vitalício; enfim, eternizar-nos-iamos no inventário-, pelo contrário, certos e ancestrais bens, propriedades do cosmos e da vida, vêm-se, senão varridas da face da terra, à beira da extinção e, em cada dia que passa, ignobilmente sujeitas ao ostracismo da obsolescência.»
- in "O Tratado da Besta"

quinta-feira, novembro 13, 2008

Bruxa de esfregona

Mas sempre vos digo que, mais que um claro exagero, considero um tremendo desperdício gastar ovos com a ministra da deseducação nacinhal. Ovos, tomates ou quaisquer outras hortaliças, frutas, tubérculos ou leguminosas. Mesmo nabos seria demais. Já bastam os alunos e os abóboras dos pais. Em suma: exceptuando talvez couves-de-bruxelas (por razões óbvias), toda e qualquer substância orgânica bradaria ao esbanjamento, à prodigalidade. Um pano encharcado nas ventas era mais do que suficiente. E justo.
Devo até confessá-lo: nas noites em que a metereologia o permita, consigo imaginar ímpetos voláteis numa bruxa daquelas. Lupo-lhe até a silhueta frenética em assombração de horizontes. Só que em vez de vassoura, tenta descolar de esfregona. Debalde.

quarta-feira, novembro 12, 2008

Amanhecer



Os homens são como os dias: alguns nascem gloriosos; outros nascem cinzentos e enevoados; e outros ainda não nascem de todo: são apenas a imagem pálida e nua da obscura e interminável noite.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Tomem lá para o peditório!...

Como diria o general Não-Sei-das-Quantas Sheridan, um bom presidente americano é um presidente morto. Uma regra dourada que poderíamos estender à generalidade da população daquele monturo superpotente, mas isso não vem agora ao caso. O caso é que George WC Bush nunca conseguiu ser um bom presidente. Nem razoável, sequer. E foi pena. Nunca me cansarei de deplorá-lo. Dez anos completos dum grande desapontamento. Obama, porém, estou em crer, não incorrerá em tragédia semelhante. Augura vir a tornar-se, a qualquer momento, um bom presidente. Só espero, com sinceridade, que não nos desiluda e o alcance, a esse belo e justo estado, o mais brevemente possível.

terça-feira, novembro 04, 2008

Do Ghetto ao Globo - VI. Pincelada final

Karl Ludwig Börne começou por nascer e crescer Loeb Baruch, sendo, por essas épocas, conterrâneo da proto-ninhada Rothschild na Rua dos Judeus de Frankfurt. O nome mudou-o quando se tornou, além de luterano, escritor (duplicando assim o desgosto ao pai Jacob que, além de judeu, era banqueiro). Foi já em Paris, onde passou a residir, que legou à posteridade as linhas que se seguem:

«Não seria uma grande infelicidade para o mundo, se todos os reis fossem depostos e a família Rothschild subisse aos seus tronos? Pensem nas vantagens que adviriam. A nova dinastia nunca contrairia um empréstimo, porque saberia melhor do que ninguém como essas coisas se pagam caras, e só por isso o fardo dos seus súbditos seria aliviado de vários milhões por ano. O suborno, activo e passivo, dos ministros teria de cessar; para que haveriam de ser subornados, ou com que haveriam de ser subornados? Tudo isso seriam histórias antigas, e a moralidade seria grandemente fomentada.»

segunda-feira, novembro 03, 2008

Do Ghetto ao Globo - V. O Sindicato

«Antes de 1914 o Banco de Viena fora o financeiro principal do grande império, o primeiro a mover-se no centro nervoso financeiro da Europa do sudeste. Depois de 1918 a Áustria ficou reduzida a uma fracção empobrecida do que fora. Inevitavelmente a firma Rothschild austríaca reduziu-se também.
Na sua qualidade de primeiro, e quase "oficial", Banco particular, "S.M. Rothschild und Söhne" estava ligado ao destino da pequena pátria enfaquecida. Por lealdade comprara papéis do Estado aos milhões, e viu a inflacção devorar-lhe os seus investimentos. Por volta de 1925 não podia, como o seu grande rival vienense, o Banco Castiglione, abalar o Governo especulando com a baixa da moeda austríaca. Esta baixou, é claro. Castiglione adquiriu uma posição altíssima e ameaçava abafar Rothschild.
Castiglione continuou a especular com a baixa do franco. Os seus aliados lançavam e tornavam a lançar no mercado dinheiro francês. O franco descia, a libra e o dólar subiam velozmente. E Rothschild? Os peritos começaram a considerar como acabada a importância da Família da Europa Central. No escritório de seda vermelha da Renngasse fizera-se um grande silêncio. Então, de repente, o franco começou a subir de um modo espantoso, aos solavancos a princípio, depois com uma fúria autêntica, que aniquilou Castiglione. O mundo financeiro estava assombrado. O Barão Louis, com um sorriso impassível, foi para Itália jogar polo.
Que acontecera? Na realidade fora uma história Rothschild muito e muito antiga, que se desenrolara mais uma vez em 1925. Os vários Bancos da mishpoche*, em Inglaterra, França e Áustria tinham secretamente alinhado os seus tentáculos. Com a Casa francesa à cabeça (o Barão Edouard era o director do Banco de França), organizaram um sindicato internacional secreto, que se estendia desde J.P. Morgan em Nova Iorque até ao Creditanstalt de Viena, controlado pelo Barão Louis. Em toda a parte, a um sinal pré-combinado, o sindicato Rothschild começou a fazer baixar as libras e a fazer subir os francos. Tal como no passado ninguém pôde resistir a uma tão grande riqueza manejada com tal perícia.»

- Frederic Morton, "Os Rothschilds"

* - "família", em hebraico

domingo, novembro 02, 2008

Do Ghetto ao Globo -IV. Dinheirus rex

«O trabalho dos Rothschild e o nome dos Rothschild (como o de Napoleão, a maior imagem feita por si própria), serviram para substitiuir a era dos títulos e das árvores genealógicas, pela era do dinheiro e da habilidade. Num dos momentos em que mais comeu e bebeu na Rua Laffitte, Heine considerava os cinco irmãos, grandes revolucionários: Não tinham eles usurpado as últimas pretensões do feudalismo? Não tinham abolido a importância estagnada e hirta da propriedade rural? Não a tinham substituído pelo domínio do dinheiro, pelo capital e juros, que qualquer pessoa podia possuir em qualquer altura? Não eram estes os instrumentos de governação mais flexíveis, justos e produtivos, que jamais tinham sido inventados? E os Rothschild não eram os arquidiabos do progresso?
Não é necessário deixarmo-nos arrastar pelo entusiasmo, como Heine, para reconhecer um facto: os rapazes de Mayer ajudaram a abolir o próprio absolutismo que os utilizara a princípio como seu instrumento. Mesmo sem querer, os Rothshild forneceram mais terreno para o florescimento da democracia burguesa, do que quaisquer outros cinco indivíduos da Europa.
(...)
Lytton Strachey, considerando a Rainha Vitória "excessivamente rica", mesmo entre monarcas reinantes, calculava o valor máximo da sua fortuna em cinco milhões de libras. Pobre Vitória. Um ramo da família podia, sem esforço, fazer compras no valor da fortuna inteira de Sua Majestade, de um momento para o outro. Isto ia ser demonstrado pela compra do Canal do Suez.
A fortuna total do clã, durante quase todo o século XIX, foi calculada em mais de 400 milhões de libras (6.000 milhões de dólares). Mais ninguém, desde os Fuggers aos Rockfellers, se aproximou sequer desse número arrepiante.
Mas é preciso mais do que uma vasta fortuna para criar o mito que celebrizou o nome Rothschild. É preciso, acima de tudo, um ar convincente da parte da própria celebridade. Depois de Aix os cinco irmãos ficaram inabalavelmente convencidos de que o direito divino dos soberanos tinha sido destronado pelo direito divino do dinheiro, e de que Amschel, Nathan, Salomão, Kalmann e James (Jacob) eram dinheiro.»
- Frederic Morton, "Os Rothschilds"

sábado, novembro 01, 2008

Feed our Frankenstein


Em resumo, dos 430 biliões de dinheiro dos otários (vulgo contribuintes) que a plutocracia americana despejou nos bancos, os 6.1 biliões que couberam à Goldman Sachs nem vão chegar para pagar os prémios anuais e bónus de Natal que aquela associação benemérita vai distribuir pelos seus insaciáveis gestores. Ou melhor dizendo, que eles, como já é tradição, vão distribuir entre si.
E ainda há esquerdalhos visionários que se queixam da falta de distributividade da economia capitalista!...
Sim, porque se julgam que é só o Goldman Sachs, o melhor é mesmo irem tirando o cavalinho da chuva:
E a cereja no topo do bolo:

Do Ghetto ao Globo -III. Endogamia eugénica de imitação

«Começando no ramo mais alto, vemos que dos cinco filhos do velho Mayer, os dois mais velhos casaram com simples e sólidas raparigas judias alemãs. O casamento seguinte realizou-se em 1806, quando "Rothschild" já significava êxito para aqueles que percebiam do assunto. Nathan levou para casa Hannah Cohen, filha de Barnett Cohen, o judeu mais rico de Inglaterra. A seguir foi a vez de Kalmann, em 1818. Nessa altura era natural que qualquer membro da Família pudesse escolher entre a fina flor das noivas. Kalmann escolheu Adelheid Herz; os Herzes eram a nata da sociedade hebraica culta, na Alemanha.
Finalmente James, o mais novo, escolheu esposa. O Imperador da Áustria já o fizera, a ele e aos irmãos, barões, e eles próprios tinham-se tornado por si a família mais rica do mundo. Na festa anterior eram importantes. Agora sabiam que eram únicos. O dia 11 de Julho de 1824 exprimiu essa qualidade de um modo convincente. James entrou debaixo de "chupah" (o baldaquim de casamento hebraico) com Betty, sua própria sobrinha, filha de seu irmão Salomão.
Rapidamente se tornou um dogma dinástico, como no caso dos Habsburgos, que o casamento mais brilhante para um membro da Família era com outro membro. Dos doze casamentos consumados pelos filhos dos cinco irmãos, nada menos de nove foram com filhas dos tios. De cinquenta e oito casamentos contraídos pelos descendentes do velho Mayer, realizaram-se exactamente metade entre primos do mesmo grau.
O que é que provocou tantas paixões "em família"? Por um lado havia o facto de que só um pai Rothschild podia fornecer um dote digno de um genro Rothschild. Havia também o desejo de consolidar, e não dissipar, as fortunas; e, talvez o mais importante, de não desperdiçar o nome com estranhos.»
- Frederic Morton, "Os Rothschilds"