quarta-feira, outubro 03, 2012

Momento excepcional




Já me perguntaram porque é que eu nunca falo de futebol aqui no blogue. Bem, falo de política. Falar de política e de futebol, no Portugalzinho actual, seria redundante. Nada tem que ver, como certificam certos snobes culturistas, com uma indignidade assuntosa do jogo da bola. Por muito indigno que o futebol seja, nesse qualificativo, é seguramente menos vil e indigente que a política hodierna.  Basta dizer-se que embora pululem e açambarquem, aqueles cromos, uns quantos lastimáveis pasquins pseudo-desportivos, ainda não trepam nem se recreiam (e locupletam!) nas páginas do Diário da República. Por conseguinte, que ninguém duvide: se algum dia falar de futebol, deixo de falar de política. De resto, basta atentar nas relações que as direcções dos grandes clubes têm com os seus adeptos para constatar como são decalcadas a papel químico das relações que os políticos eleitos mantêm com os seus eleitores. Na essência, para ambos, direcções dos clubes e governos da república, a instituição resume-se a um mero entreposto comercial, uma estrita forma de extrair comissões lucrativas de transacções com o estrangeiro.
O valor do eleitor corresponde integralmente à sua capacidade de sustentar (e sobretudo legitimar manhosamente) o Estado, isto é, quem o pilota e ordenha. Ora, da mesma forma que as quotas dos sócios não conseguem sustentar o clube e assim a direcção deste passa a valorizar mais os seus clientes externos em detrimento dos sócios internos, também os contribuintes dum determinado país, a partir do momento em que não conseguem abastecer o estado de todos os semprecrescentes e luxuriantes apetites deste, promovem a que os tripulantes do mesmo transfiram a prioridade e a   finalidade dos seus serviços da clientela indígena para a exógena. Quer dizer, passa a estar mais interessada, essa espécie de jóquei prolífero e morbidamente obeso, em agradar e cumprir para com o estrangeiro do que para com a sociedade que o suporta. Precisamente porque esta deixou de ter a capacidade de suportá-lo. O que o transporta, sem grandes escrúpulos nem hesitações, à pendura de outras sociedades mais vantajosas, porque munificientes. Só pessoas muito ingénuas é que ainda não perceberam que os homens de estado do nosso tempo vão buscar o modelo não à democracia, mas à profissão mais antiga do mundo. Donde mana o dinheiro é para onde vai a dedicação, a perna aberta e a ternura dispendiosa. O paralelismo entre o Estado actual da Nacinha e a manteúda do regimento é absoluto.
Entretanto, o Estado alter-dependurado, uma vez insuportável no plano financeiro,  devém também, e muito rapidamente, insuportável no plano social. Transferindo toda a afeição para o novo mantenente, passa a despejar todo o desprezo e as agressões, recriminações e represálias mais recorrentes e impiedosas sobre  o antigo. Nada como a ruína finaceira para se invocar a crueldade gelada e retorcida das amázias de luxo. Na prática, o que geralmente acontece, sobretudo em países modernos e vanguardistas como o nosso, é que não tendo moeda para desvalorizar, o Estado desvaloriza os seus sócios internos. São despromovidos de contribuintes a confiscados. Por isso mesmo,  o  português avulso, não escorado em qualquer esquema de protecção mutualista de índole mafiosa, dum modo geral, continua sem perceber que, nesta peculiar crise de proporções cataclísmicas onde veio atascar-se, não está - nem vai - ser tratado como paciente, mas como arguido. Debalde esperará que o socorram, curem ou por qualquer forma o aliviem, quando o que exclusivamente se pretende é que ele pague pelos seus putativos crimes. Pelo que chega a ser caricato observá-lo na sua viagem para o cadafalso, onde o aguarda a execução precedida de suplício, clamando, em pranto, por uma anestesia.
Nem vaselina, quanto mais anestesia!...


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