quinta-feira, março 26, 2015

A Acromiomancia Revisitada - X. O Horror...





«Já nessa época [século XVII] , os negros de Angola, com excepção dos Jagas, canibais, não eram completamente selvagens:. Possuiam animais domesticados, porcos, carneiros, criação. gado até. Também já cultivavam milho, mandioca, abóboras e outras plantas que os portugueses haviam introduzido.
Quanto aos Jagas ou Jingas, o seu espirito nómada e canibalismo tornaram-nos temíveis.»
- Mugur Valahu, "Angola, Chave de África"

«Cerca de um ano depois, isto é em 1962, sendo eu já Governador do Distrito de Uige, com sede em Carmona, recebi uma carta amiga de um tenente-coronel comandante de um batalhão que estava instalado nessa altura no Quitexe e que me mandava a cópia das declarações de um negro chamado Severino José e que tinha sido apanhado nas matas da região. Era natural de Bailundo e tinha sido aprisionado pelos sublevados em Março de 1961, tendo trabalhado obrigatoriamente quase que como escravo para o grupo rebelde que atacou a coluna que eu comandava e onde seguia o sargento R. Nesse interrogatório, descreveu correctamente a emboscada que tinha sido feita e também a captura do jeep e o ataque ao capitão Castelo da Silva e aos seus homens. Horrorosamente, deu continuidade à descrição que acabei de fazer. É que tanto o sargento R., como as restantes praças que foram apanhadas e mortas, foram esquartejadas, cozidas e comidas!
Não julguem que o que digo é atroz fantasia!  No auto arquivado algures em Lisboa, ficou escrita a declaração textual de Severino José: "O sargento, como era gordo, deu muito óleo e carne!"
O bando de assassinos era natural de Cambamba onde tradicionalmente se faziam semelhantes festins, muito no interior das matas, fora das vistas e ouvido de quaisquer autoridades, europeias ou africanas. Eram rituais herdados dos povos jagas que os praticavam correntemente e que até faziam normalmente ataques a outros povos só para fazerem prisioneiros e obterem "matéria-prima"...»
- Camilo Rebocho Vaz, "Norte de Angola 1961 - A verdade e os Mitos"


«-Em Lisboa, sempre se disse muita asneira sobre a vida angolana - explicou convicatmente o cafuzo. - Mas a verdade é que, salvo raríssimas excepções, não foi o trabalhador das roças quem se deixou envenenar pelas cantigas dos agitadores vindos do Gana ou do Congo ex-belga. Foram precisamente os dembos e ambuilas, que desde há muito não trabalham, nem para po branco nem para si próprios...
- Então de que vivem?
- Vivem do trabalho das mulheres, como toda a gente de Angola está farta de saber. Nas roças de café, trabalham os bailundos. E os bailundos continuam exemplarmente leais a Portugal...»
- Reis Ventura, "Sangue no Capim Atraiçoado"


Importa registar que os chamados "movimentos de libertação" putativamente nacionalistas que ateiam a guerra no Ultramar Português são tudo menos isso - "nacionalistas". Em bom rigor, são puras manifestações tribalistas, racistas e, como no caso do Norte de Angola, em 1961, de pura e arcaica selvajaria. Se alguém chama "sopro histórico" àquilo, deve andar a snifar o próprio ânus, pois, na verdade, é de uma pura manifestação anti-histórica e anticivilizacional - de retrocesso atroz à idade da Pedra, mental, moral e cultural -, que se trata.
Os levantamentos subversivos nas nossas antigas províncias, escoraram-se, sem excepção, em determinada etnia específica: a UPA nos Bacongos e seus sub-grupos; o PAIGC, nos Balantas; e a Frelimo, nos Macondes. O facto de serem, sem excepção, as tribos menos civilizadas, mais arcaicas nos costumes e religiões (todas elas animistas) diz muito, senão quase tudo, da matéria-prima preferida pela agitação subversiva. Com premeditação expedita e direccionada, lançaram-se, precisamente, sobre os mais crédulos, afastados e vulneráveis. De preferência, pois, aqueles menos capazes de oporem alguma resistência efectiva à substituição duma superstição antiga por outra moderna, servindo-se esta, para a nova fachada, dos andaimes daquela. Do feiticismo tribal ao feiticismo internacional em duas penadas...
Por conseguinte, nunca houve qualquer "levantamento ou insurreição nacional", mas apenas (como de resto no século XIX e princípios do século XX), "sublevações tribais" - externamente, patrocinadas, caiadas e alfaiatadas, mas tribais. Foi isso que nos permitiu, entre outras coisas, formar tropas africanas (que em 1974, orçavam os 54.500 elementos) para suportarem, crescentemente, o encargo do combate. Tradição, aliás, antiga no nosso exército: já Teixiera Pinto, no incício do século XX, recorrera a um contingente de 100 Cuanhamas (do Sul de Angola) para  auxiliar na pacificação da Guiné. 
Disto decorre uma verdade muito simples, mas perversa e permanentemente escamoteada: o risco da acção armada insurrecional, mesmo no pior cenário (Guiné), nunca foi o de "independência geral" duma província ultramarina, mas de mera cessão duma parcela desse território (o Norte de Angola, o Sul da Guiné, o Norte de Moçambique). Quem estava praticamente condenado a perder militarmente a guerra não era Portugal. Este estava, isso sim, e à partida, condenado, fizesse o que fizesse, dissesse o que dissesse, a perdê-la politicamente. Um pouco como na fábula do cordeiro e do lobo. Só que o cordeiro respondeu com cornada aos primeiros rosnidos do lobo. E enquanto teve a lucidez elementar de perceber que com a força só se lida pela força e que não há apaziguamento possível contra bestas canibais (que é senão canibalismo geo-político a acção repugnante e concertada de americanos e ingleses contra os seus próprios aliados?!), lá foi adiando o macabro festim.

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